Paulo Amarante traz diagnóstico da saúde mental da população em tempos de pandemia Notícias

09/02/2021 19:30

A crise sanitária de Covid-19 que se instalou no mundo tem trazido inúmeras sequelas para a população, entre elas psíquicas. O programa Encontros Plurais destacou o tema, na tarde da segunda-feira (08/02), em entrevista com o médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Paulo Amarante. O jornalista Florestan Fernandes Jr. e o diretor-presidente da Escola Superior de Gestão e Contas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), Maurício/Xixo Piragino, buscaram entender se o aumento de casos da doença mundo afora, principalmente no Brasil, pode acentuar os transtornos psicológicos que já preocupam especialistas.

Para introduzir o debate, Florestan Fernandes Jr. apresentou dados sobre o contexto atual e um questionamento. "Atualmente 231 mil pessoas morreram por conta da Covid-19; 10 milhões foram contaminadas e temos no Brasil mais de 14 milhões de desempregados, com a perspectiva de que neste ano o número chegue a 17 milhões. Temos 18 milhões de pessoas na pobreza, sendo que mais de cinco milhões de crianças na pobreza extrema. Se está ruim para muita gente, como aqueles que estão empregados, que têm uma qualidade de vida razoável, como devem estar vivendo as pessoas sem trabalho, que já passam por tantas dificuldades, como é que fica a saúde mental delas, agravada pela angústia, pelo isolamento e a incerteza?", disse o apresentador.

Em resposta, o médico Paulo Amarante ressaltou a preocupação de não transformar em patologia as reações naturais de tensão, de estresse, de sofrimento, que são comuns em situações extremas, de conflito, de guerra, de pandemia, mas que não são sinônimos de doença, porque existe uma tendência da psiquiatria mais tradicional, da psiquiatria mais ligada aos interesses da Indústria Farmacêutica, de dizer que estão aumentando o transtorno mental e a doença mental. “O que estamos vendo é que tem aumentado as tensões e pressões, mas, por outro lado, as pessoas também demonstram nessas situações de crise uma grande capacidade de ressignificação e de inversão da vida, de lidar com o sofrimento. Elas podem procurar mais o psicanalista, o psicólogo e até mesmo o psiquiatra, mas não estão necessariamente doentes", observou.

Amarante também alertou sobre o perigo da relação imediata com os medicamentos. "Por que um sofrimento, uma ansiedade, uma angústia, distúrbios do sono, alterações nos nossos ritmos cotidianos têm que ser imediatamente medicados? Hoje, um dos grandes problemas que nós encontramos na psiquiatria, embora a psiquiatria em oficial não reconheça isso pelas suas relações com a Indústria Farmacêutica, são os próprios medicamentos", enfatizou, vislumbrando os efeitos colaterais e a dependência.

O sanitarista participou da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1979, e da criação da Fiocruz em Manaus. "Mesmo com toda a precariedade do SUS, ele tem um aspecto que é importantíssimo: um ativismo, uma responsabilidade social no profissional de saúde no Brasil, na área pública, no sistema público de saúde que é raro encontrar. É difícil encontrar um profissional com tanto envolvimento e engajamento. Esse processo vem lá das Conferências Nacionais de Saúde, as municipais, as estaduais, é um processo lindíssimo. Uma das questões que a pandemia vem demonstrando é a importância do SUS, do Instituto Butantan e das instituições de pesquisas no Brasil. Como são sérias e necessárias", defendeu ele.

Sobre a situação da periferia no cenário de pandemia e a necessidade de uma esperança para a população, o médico sanitarista comentou que a questão vai muito além da vacina. "O que nós queremos na reforma psiquiátrica, no SUS, pensando enquanto reforma sanitária, é uma restruturação da visão desse processo saúde-enfermidade, de como a saúde ou as doenças se produzem na sociedade, que não tenha a ver com só com vírus e bactérias. Todo mundo sabe, tem a ver com fome, tem a ver com assistência médica, tem a ver com desamparo, tem a ver com perspectiva, tem a ver com trabalho, tem a ver com segurança. Essa é a ideia do SUS, essa é a ideia da reforma sanitária", afirmou. "O Estado, além de garantir um auxílio financeiro, tem muitas questões a responder. Como é que nós vamos garantir condições de salubridade, de prevenção, de cuidado, de evitar o contágio nessas escolas como estão atualmente? Que condições elas têm de higiene? Não é só dar vacina ou remédio. Nesse momento de pandemia, de desorganização social expressiva, o Estado tem que estar presente, ser acolhedor, cuidador e responsável" completou o convidado.

Como palavra final, Amarante quis esclarecer alguns pontos sobre doença mental, transtorno mental e depressão. "Em momento algum eu quero passar a imagem que não existe o sofrimento decorrente de situações de luto, de perdas, de outras situações na vida, situações muitas das vezes vindas da infância ou da formação. Acredito que exista esse sofrimento sim e que requer cuidados, tratamentos, terapias e formas de acolhimento para que as pessoas não piorem e a situação não se agrave. Isso é fundamental. Minha preocupação é não associar automaticamente essas experiências que nós chamamos de depressão, de sofrimento, de tristeza e de mal-estar à ideia de doença. E, pior do que isso, associar a ideia de doença como a psiquiatria define: que é o transtorno bioquímico que a psicoterapia ajuda, mas o que trata mesmo é o remédio. No momento os remédios podem ter um certo uso, mas não é que as terapias são importantes em algumas situações, os remédios é que são importantes em algumas situações. Por longo tempo e em todas as situações eles causam mais problemas do que soluções", finalizou.

Florestan Fernandes Jr. encerrou o programa com uma mensagem para Paulo Amarante e todos os cientistas e pesquisadores brasileiros. "Vocês provaram que o Brasil tem condições de fazer uma medicina de qualidade, de produzir remédios, de produzir vacinas. Talvez, se lá atrás os investimentos não fossem reduzidos tanto na Fiocruz quanto no Instituto Butantan, como em grandes universidades públicas, o Brasil já estaria vacinando toda a população. Os médicos, enfermeiros, cientistas e pesquisadores mostraram a importância que têm para o nosso povo e para o nosso país”.

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