Edição virtual do programa Encontros Plurais estreia com sucesso em entrevista do médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto Notícias

10/04/2020 19:30

O programa Encontros Plurais, espaço de reflexão sobre políticas públicas e propostas de soluções possíveis para os problemas que afligem a maior e mais importante cidade do país, também se adaptou às medidas de combate ao novo coronavírus e recebeu, em ambiente totalmente virtual, o renomado médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para tratar dos desafios que se colocam para a saúde pública no atendimento aos pacientes atingidos pela Covid-19.

Sob o comando do jornalista Florestan Fernandes Jr. e do diretor da Escola de Gestão e Contas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), Maurício/XixoPiragino, Vecina comentou a pressão que o sistema de saúde vem sofrendo, os desdobramentos das medidas de enfrentamento e trouxe informações sobre o vírus que tem assustado a humanidade.

O entrevistado, também professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo e ex-secretário nacional da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, disse ser crítica a questão da informação para o próximo momento que viveremos. “Acredito que a sociedade brasileira tem que ter esse conjunto de informações para ver se a ficha cai que estamos vivendo um momento ímpar da história do Brasil e que temos que pensar no futuro. Se nós não conseguimos reunir todas essas informações, entendê-las e repensar o Brasil, vamos ter um país pior do que o que tínhamos”, declarou no início da entrevista.

“Essa epidemia é uma coisa nova, nós não vivemos algo parecido com isso. A Gripe Espanhola foi diferente. A Gripe Espanhola aconteceu em um país rural. Este é um país urbano, 85% das pessoas moram na cidade. No estado de São Paulo 96% das pessoas moram em cidades. A capacidade de disseminação de uma epidemia como essa é fantástica porque as pessoas estão todas juntas. Essa epidemia está se dando nas grandes cidades, parece que ela não está atingindo as pequenas e médias por causa da concentração urbana. Este é um fenômeno deste século. No mundo inteiro e no Brasil”, esclareceu, com base nas polêmicas comparações entre a Covid-19 e à Gripe Espanhola.

Diante disso, Piragino questionou o que o Brasil faria em uma pandemia como a que vivemos hoje se não tivesse o Sistema Único de Saúde (SUS). Vecina alertou para o fato de que parte do SUS já foi destruída nestes últimos 20 anos. “Um dos primeiros atos deste governo foi demitir 15 mil médicos que trabalhavam nas periferias. Em lugares onde nunca tivemos médicos, estávamos tendo médico. Falavam espanhol, mas eram médicos e estavam atendendo a população mais necessitada desse país. Mandamos embora e não foi por uma questão econômica, foi por uma questão ideológica. [...] Não existe atenção à saúde sem atenção primária (atenção feita com baixa necessidade de tecnologia porque são doenças mais simples). A atenção primária está na base do sistema, ela estrutura o sistema de atenção à saúde. 80% da demanda em saúde é resolvida na atenção primária", explicou, justificando o papel desses médicos no quadro do SUS, e ressaltou: “O SUS foi perdendo financiamento”.

O sanitarista defendeu a integração de estados e municípios para que se crie, nos equipamentos de saúde públicos e privados, “um modelo de regulação do acesso que organize uma fila única” para a disponibilização de vagas e atendimentos aos doentes, assim como é feito como gerenciamento do Sistema Nacional do Transplante do SUS, considerado o maior programa público de transplante de órgãos do mundo. “Nós temos que ter uma administração baseada em manchas populacionais para ter estruturado o sistema de saúde. Mas isso exige uma inteligência política que nós ainda não conseguimos alcançar.”

Na telemedicina, Vecina vê uma estratégia de atenção primária que ajuda a não sobrecarregar sistemas e programas, como o de Saúde da Família. De acordo com o médico, 40% das pessoas que vão ter a doença talvez nem saibam que tiveram. Já outros 40% a sentirão de uma forma muito simples. “Vão ter tosse seca, provavelmente vão ter falta de odor, podem ter uma febrícula, dor no corpo, sintomas da gripe, mas precisarão ouvir um médico. Onde elas vão buscar atenção? Elas têm que buscar atenção no Programa de Saúde da Família”. Em cima disso, Vecina alertou que, com a Covid-19, o Brasil passa por seu período de endemia gripal e reflete que a quarentena está trazendo um resultado positivo até nesse quadro. “Podemos duvidar da quarentena, mas a quarentena para gripe sazonal está funcionando. Com certeza está funcionando para o coronavírus também”.

Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o estado de São Paulo tem 30 mil exames de coronavírus à espera de resultados. Questionado, Vecina disse que temos que sair correndo para comprar equipamentos de automação e conseguir fazer mais testes. “Não tem jeito de lidar com essa epidemia sem aumentar barbaramente o número de testes. Temos que fazer 30/40 mil testes por dia no país para conseguir acompanhar a epidemia e sair da neblina”, advertiu, salientando a vantagem de saber a quantidade de pessoa que ela já atingiu. “Uma epidemia termina quando acabam os suscetíveis, ou seja, as pessoas que não tiveram a doença [...] Tem um momento das epidemias que um número ’x’ de suscetíveis tem a doença e o restante não tem, mas o vírus não consegue encontrar quem não teve. Quando a gente chega nesse ponto, a gente chama esse momento de uma imunidade de manada. Não todos estão imunes, mas na manada tem gente suficientemente imune para não encontrar os não imunes e aí a doença para até voltar uma nova onda”, explicou.

No Brasil, já são quase 20 mil casos e o número está aumentando todos os dias. Pela internet, Vecina recebeu perguntas sobre como falar de isolamento em favelas ou cortiços, lembrando que 280 mil moradores de São Paulo dormem em cômodos com cinco ou mais pessoas. “A questão é crítica. Nós temos que conseguir isolar principalmente aqueles que testarmos e forem positivos. [...] Temos que criar espaços para o isolamento. Na periferia os espaços para isolamento que eventualmente existem são as escolas, mas nós teríamos que equipar as escolas com uma condição adequada para receber esses pacientes que não necessitam de hospitalização e que, talvez, não necessitem de muitos cuidados, mas precisariam de alguma atenção. Então, teria que haver não apenas o aumento de equipamentos sanitários nessas escolas como também uma condição de assistência contínua por cuidadores e capacidade de distribuir alimento e condições mínimas de conforto para as pessoas ficarem. A outra hipótese é usar a capacidade ociosa que existe, e é real, dos nossos hotéis”. Nessa questão, Gonçalo Vecina alerta que as pessoas que possivelmente trabalhariam nesses locais precisam ser preparadas para não se contaminarem também.

Entrando no polêmico assunto da cloroquina, Vecina afirmou que a considera uma droga fantástica para tratar a malária “e é uma droga que posteriormente descobrimos que quem tinha algumas outras doenças, como lúpus e quadros inflamatórios crônicos, se beneficiavam dela também. Só que é um medicamento com uma quantidade de efeitos colaterais muito importantes”, advertiu. O médico alertou que deve ser pensada sua administração em quadros leves. “Eles estão desenvolvendo uma doença, a Covid-19, que na grande maioria dos casos não será importante, que não vai afetar a vida deles, e para tratá-lae eu vou dar um remédio que fará esses pacientes terem um efeito colateral grave hepatotóxico, problemas na retina, são inúmeros os problemas que a Cloroquina propícia. Agora, ficou grave, tem uma boa chance de morrer, começamos a usar a Cloroquina junto com Azitromicina. Existem outras drogas que estão sendo utilizadas, alguns antirretrovirais, zinco. [...] Então, eu acho que as pesquisas têm que indicar o caminho para nós”, ponderou.

Durante o programa foi abordado que alguns médicos estão solicitando tomografia para detectar pistas da Covid-19 nos pulmões. O sanitarista defendeu o exame. “Sim, a tomografia é mandatória para encaminhar o tratamento dos doentes nos quais temos a suspeita de estarem com o coronavírus.” Quanto às pesquisas sobre o uso da vacina Bacillus Calmette-Guerin (BCG), que inicialmente foi desenvolvida contra a tuberculose, como uma forma de combater o novo vírus, Vecina diz que aparentemente países que utilizam vacinação com BCG têm tido uma epidemia mais fraca, é o caso do Brasil. “É uma dessas respostas que são de longo prazo, que vamos dar após o término da epidemia, mas certamente é uma linha de estudo que será encabeçada a partir de agora”, pontuou.

Gonzalo Vecina deixou, em vídeo, alguns cuidados que não custam ressaltar:

  • Lavar às mãos sempre e não as levar, ou procurar não as levar, à boca, ao nariz ou aos olhos;
  • Outra alternativa é o álcool em gel (álcool a 70%) que decompõe os microrganismos e, em particular, o vírus da Covid-19;
  • Não cumprimentar com as mãos e procurar não ter contato físico;
  • Isolar idosos do contato com pessoas que podem ter adquirido o vírus;
  • Proteger o nariz e a boca com o braço ao tossir ou espirrar;
  • Usar máscaras para proteger o próximo.

O que fazer para não levar o vírus para casa?

  • Quando chegar da rua, tirar a roupa e colocar para lavar;
  • Colocar sapatos em soluções de cândida;
  • Com relação a alimentos, fazer a limpeza com soluções de cândida;

Por fim, vale lembrar que a atenção básica é estruturante e absolutamente necessária. “Se a atenção básica não funcionar, o colapso dos hospitais e UTIs virá mais rápido”, advertiu. “Cada dia exigirá de nós a capacidade de nos recriarmos para enfrentar o desafio do dia”, finalizou.

Assista ao programa completo aqui: