Conselheiro Maurício Faria pondera sobre o cancelamento da licitação da compra do kit de uniformes escolares Notícias

21/01/2020 17:00

Diante da decisão da Prefeitura de São Paulo de declarar fracassada a licitação da compra do kit de uniformes escolares a ser distribuído aos alunos da rede pública municipal, o relator da função educação no biênio 2019-2020, conselheiro Maurício Faria, escreve artigo com considerações a respeito da matéria. Entre seus apontamentos, o relator afirma que o cancelamento do certame e a opção por um voucher para compra direta dos itens, adotados pela Administração, representam uma escolha que, ao menos formalmente, não confronta com a lei.

 

Leia abaixo o artigo na íntegra:

O cancelamento pela Prefeitura da licitação para fornecimento de uniformes e o anúncio da adoção de um voucher para compra direta dos itens pelas famílias dos alunos representa a frustração de um processo licitatório acompanhado pelo TCM, sob minha Relatoria, no qual se procurou solucionar uma antiga questão da relação qualidade/preço no fornecimento da indumentária escolar.

Adotou-se na licitação um preço de referência melhor calculado para as peças e uma exigência de qualidade das mesmas a ser atestada por laudos tecnológicos produzidos pelo SENAI.

Todavia, para surpresa geral, embora tenha acorrido um número grande de licitantes disputando preços, todos os vencedores dos lotes apresentaram sistematicamente amostras que desatendiam às especificações do edital, produzindo progressivamente um impasse, com inúmeros recursos e outras medidas que tumultuaram o certame, diante do que a Administração decidiu pelo cancelamento da licitação e pela compra direta dos uniformes em uma rede de comerciantes credenciados, em procedimento ainda não completamente definido.

Em contratações anteriores a esta licitação, o TCM encomendou a produção de laudos tecnológicos de fiscalização dos uniformes, os quais, à época, demonstraram desconformidade da consistência material dos mesmos em relação às suas especificações, previstas nas licitações e nos contratos.

Ao mesmo tempo, há informações de rejeição ao uso – não obrigatório – dos uniformes por parte dos alunos, cuja dimensão quantitativa e motivos ainda não se tem.

De fato, inexistem elementos técnicos e metodológicos que permitam atribuir a rejeição apenas à má qualidade material das peças. Contemporaneamente, além das questões comportamentais próprias da idade, a indumentária das crianças e adolescentes acha-se sob a crescente influência de youtubers, influenciadores digitais e redes sociais voltados a esse público-alvo, produzindo nele ideias de moda, estética, gosto e consumo bastante peculiares e dinâmicos.

Nesse sentido, coloca-se para a Prefeitura e o TCM o desafio de procurar decifrar por meio de pesquisas de opinião especializadas as razões e as quantificações da rejeição pelos alunos ao uso das peças do uniforme. Não havendo uma utilização obrigatória no dia a dia, essa relação de vontade das crianças e adolescentes influencia diretamente tal uso.

Nessas circunstâncias, o TCM fez com que fossem produzidos por iniciativa sua os ensaios tecnológicos, mas ainda não julgou a matéria, quando então fixará uma posição abrangente a respeito.

O cancelamento da licitação e a opção pelo voucher, adotados pela Administração dentro de sua margem de competência discricionária, representaram uma escolha administrativa que, ao menos formalmente, não confronta com a lei. Seria possível, também - em tese - uma contratação emergencial com chamamento aberto a interessados, tomando por base os mesmos preços da licitação, as mesmas especificações para as peças e a mesma exigência de laudos produzidos com base nas normas técnicas do INMETRO. É bem verdade que esta alternativa envolveria riscos, diante do anterior comportamento negativo dos então licitantes, mas poderia ser uma hipótese.

A nova estratégia de fornecimento de vouchers às famílias, ainda não plenamente definida, envolve complexos desafios: obter preços pré-estabelecidos no comércio varejista iguais àqueles da licitação sem o ganho de economia de escala presente em grandes fornecimentos; construir mecanismos de fiscalização, tanto da qualidade das peças quanto do uso exclusivo do voucher apenas para compra de uniforme etc. Ao mesmo tempo, sabe-se de outros lugares, como, por exemplo, São Caetano do Sul, que já adotam o voucher, cabendo conhecer esse tipo de experiência, seus prós e contras, inclusive, eventualmente, em outros países.

O Tribunal de Contas acompanhará os desdobramentos da matéria.