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Gestão de pessoas na Administração Pública

23/08/2018

O órgão público deve se preocupar com a gestão de pessoas tanto quanto a empresa privada, pois os servidores passam longos anos no mesmo ambiente de trabalho, necessitando, continuamente, serem estimulados por desafios em sua trajetória profissional. As organizações públicas, ao invés de reprimirem esses desafios que estão latentes nas pessoas, devem trabalhar a favor deles por meio de ferramentas de gestão adequadas.

Luiza Correia Hruschka *

O mundo contemporâneo, com o processo de globalização e a evolução acelerada da tecnologia, tem exigido importantes transformações das organizações públicas e privadas, principalmente em relação à gestão de pessoas.

De acordo com Melo; Hayashida; Machado (2012) “vivemos em uma era de grandes transformações, onde o capital humano se torna cada vez mais relevante para as organizações alcançarem seus objetivos”. Os autores acrescentam, ainda, que as organizações estão em busca de novas formas de gerenciar o seu capital humano.  O ambiente organizacional, inclusive, tem exigido postura mais adequada de seus líderes.

No setor público a sociedade vem demandando mudanças drásticas na prestação de serviços, não suportando mais a ineficiência. Aliás, dentre diversos fatores, a má gestão de pessoas é uma das principais influências negativas, que precisa ser urgentemente modificada.

Todo processo de transformação é gradual, podendo ocorrer quando a empresa se encontra madura, quando é cobrada pelos seus clientes ou pela exigência de certa época que não mais comporta determinado modelo retrógrado de funcionamento.

O processo de mudança é essencial para a sobrevivência de qualquer organização, seja ela pública ou privada, e pode ser identificado desde a Revolução Industrial.

Na primeira etapa da Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, os funcionários eram vistos como engrenagens de máquinas e comandados como parte da produção. As pessoas eram tratadas de forma autoritária, sem a possibilidade de desenvolvimento de competências, questionamentos ou qualquer tipo de participação.

No entanto, com o passar do tempo, a partir do século XX, quando ocorre a Terceira Revolução Industrial, as empresas começam a dispensar mão de obra, porque as máquinas evoluíram e o trabalhador passa a ter outra relação com a produção, intervindo em apenas algumas etapas da fabricação. Com isso, o emprego começa a reduzir e passa-se a exigir melhor qualificação dos operários.

Na década de 1990, especialmente, a mudança é marcada com a exigência de um novo perfil, incentivando as pessoas a buscarem especialização. Desta forma, os indivíduos passam a ser valorizados pelo conhecimento adquirido e por suas atitudes. Necessidades, dificuldades e sentimentos começam a mudar, passando a ser notados e compreendidos de forma integral, o que obrigou as organizações a se conscientizarem da importância de uma gestão de pessoas adequada a esse novo perfil.

 Surge, então, o novo modelo de gestão de pessoas. De acordo com Fisher (2002), ele é a maneira que uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho, levando em consideração os interesses da organização e dos funcionários.

Para considerar os interesses de todos, porém, torna-se necessário oferecer aos gestores ferramentas de gestão. Em especial, desenvolvê-las para buscar o equilíbrio entre tais interesses, a fim de não haver vantagens ou desvantagens para apenas um dos lados – servidores ou organização –, o que geraria baixo rendimento e conflitos no ambiente de trabalho.

Dessa forma, os interesses das pessoas começam a ter valor, o que é muito importante, uma vez que elas passam grande parte de suas vidas em seu local de trabalho, dependendo, portanto, das organizações em que atuam para satisfazer suas necessidades ou atingir seus objetivos pessoais – qualidade de vida, oportunidade de crescimento, melhor remuneração, status etc. Concomitantemente, as empresas necessitam das pessoas que lhes dão vida para alcançar seus objetivos – sobrevivência, expansão, lucratividade, produtos etc (BALDUCCI; KANAANE, 2007).

No século XXI, o processo de desenvolvimento das pessoas alcança seu ápice, pois é confirmada a era do conhecimento, momento em que são valorizados os bens intangíveis dos trabalhadores, isto é, a evolução intelectual (COSTA, 2013), que influencia diretamente na mudança da postura comportamental dos funcionários. Assim, os indivíduos aumentam a busca pelo saber, por meio de cursos e pelo fácil acesso às informações advindas dos meios tecnológicos, tornando-se melhor preparados para assumir atribuições mais complexas e perfis comportamentais mais contemporâneos, se conduzidos e estimulados adequadamente por seus gestores.

No presente século, apesar das mudanças, ainda existem gestores que, embora tenham colaboradores mais bem qualificados, continuam com a cabeça no modelo passado, pois não tiveram o preparo necessário para atuarem numa organização que se preocupa realmente com a gestão de pessoas. Desta forma, o fato de não mudarem o tratamento com seus colaboradores desencadeia problemas de relacionamento, produtividade e rotatividade de funcionários.

As organizações privadas começam a se preocupar com o desenvolvimento dos gestores a partir de competências, tais como: feeling no trato intra e interpessoal, escuta ativa e negociação, a fim de formar uma cultura mais democrática e participativa, adequada ao atual modelo de gestão de pessoas, que proporciona um ambiente mais harmonioso, favorecendo a execução das tarefas e gerando maior satisfação pessoal e sucesso organizacional.

O antigo modelo autoritário não funciona mais nos dias atuais. Quando insiste em se manter na empresa privada, a consequência é a alta rotatividade dos funcionários. Outro aspecto que demonstra a sua falência é o surgimento de uma legislação específica sobre assédio moral.

Por outro lado, na empresa pública, a falta de preparo da gestão mantém o modelo autoritário ou paternalista que gera reflexos negativos, como faltas e licenças constantes, resistência para a realização de atividades que desagradam os servidores, perda de prazos, falta de compromisso com horários e com colegas e, ainda, a certeza de que nenhuma sanção disciplinar irá acontecer diante de comportamentos negativos por serem servidores efetivos. Esse modelo viciado nunca funcionou e nem funcionará em tempo algum, pois as pessoas precisam ser tratadas de maneira adequada para que possam reagir na mesma intensidade ao estímulo recebido. No entanto, para que seja possível tal transformação é necessário investir continuamente nos gestores para que utilizem ferramentas de gestão que produzam efeitos positivos e recompensa favorável aos indivíduos e à organização.

O órgão público deve se preocupar com a gestão de pessoas tanto quanto a empresa privada, pois os servidores passam longos anos no mesmo ambiente de trabalho, necessitando, continuamente, serem estimulados por desafios em sua trajetória profissional.  As organizações públicas, ao invés de reprimirem esses desafios que estão latentes nas pessoas, devem trabalhar a favor deles por meio de ferramentas de gestão adequadas.

Para fortalecer a gestão dos órgãos públicos não é necessário preparar somente os gestores, mas principalmente a própria área de desenvolvimento de pessoas. Esta deve estar apta a reconhecer as necessidades e ser capaz de direcionar e desenvolver suas competências e as dos gestores.  Afinal, liderança não é um dom, mas uma habilidade que pode e deve ser estimulada e desenvolvida. E ela começa na própria área de desenvolvimento de pessoas.

O papel do gestor diante do novo modelo de gestão pessoas é o de facilitador, moderador e negociador. Enquanto o do colaborador é o de participante do processo, porém de maneira envolvida, proativa e comprometida. Ele precisa se sentir importante na equipe e ser estimulado a se envolver e compreender as necessidades da organização e desempenhar bem o seu papel, tanto na área privada quanto na pública.

O papel da área de desenvolvimento de pessoas, antigamente denominada como área de Recursos Humanos, passa a ser nomeada como Gestão de Pessoas. Isso porque começa a ter posição estratégica na organização. Sua missão é assessorar as áreas, colocando a pessoa certa no lugar certo, mediando conflitos e interesses diversos, identificando necessidades relacionadas às competências e ao pessoal. Enfim, deve ser uma área de consultoria interna em gestão de pessoas. Diante de diferentes nomenclaturas referentes à área de desenvolvimento faz-se necessário compreender a diferença existente entre o setor de Recursos Humanos – que é cartorial e burocrático, chamado no passado de Departamento de Pessoal, e que continua cuidando da parte documental e do pagamento dos funcionários – e a área de desenvolvimento de pessoas – Gestão de Pessoas –, que se preocupa em selecionar a pessoa certa para a área relacionada ao perfil do funcionário. Também é seu papel cuidar das relações da equipe e entre equipes, das questões relacionadas às atribuições do servidor e da capacitação técnica e comportamental, de modo a favorecer a instalação de uma cultura organizacional competente e motivadora, garantindo o desenvolvimento das competências e a retenção dos seus talentos.

Diferentemente do que pensam os órgãos públicos, reter talento também é seu papel, pois os servidores advindos de concursos passam muitos anos no mesmo trabalho. Daí a importância de realizar processos seletivos internos, de modo que os novos servidores sejam alocados em áreas de seu conhecimento prévio. Tal medida evita o desperdício do talento em áreas que muitas vezes não têm nenhuma relação com sua real aptidão técnica e comportamental, o que acaba gerando desmotivação, transferência para outros órgãos, redução da produtividade etc. Outro importante fator da gestão de pessoas em órgãos públicos é criar ambientes desafiadores, pois as pessoas necessitam ser estimuladas com frequência para não se desmotivarem com o passar do tempo.  A existência de rodízios periódicos, isto é, possibilitar a mudança de área pelos servidores, levando em consideração suas competências, é uma ótima opção a ser incorporada na rotina de uma organização pública, pois gera desafios, incentiva o crescimento, melhora relacionamentos e fortalece a relação servidor/organização. Diferentemente do que se pensa, o indivíduo que muda de área é tido como um problema e rotulado como tal. Então, ao invés disso, esse procedimento deve ser visto como um ganho para ambos os lados. É preciso acabar com essa cultura retrógrada e avançar para um novo modelo de gestão de pessoas. Afinal, estamos no século XXI.

Por fim, atualmente, para auxiliar a evolução da administração pública em relação à gestão de pessoas, existem alguns recursos. Está em alta a especialização dos servidores por meio das “Escolas de Governo”. Assim, cabe à área de Gestão de Pessoas das organizações públicas se capacitar e assessorar seus servidores no aperfeiçoamento em relação à gestão pública, uma necessidade tão importante quanto urgente nos dias atuais. 

* Luiza Correia Hruschka é mestre em Administração com foco em Gestão de Pessoas e cursos de especialização em Administração de Recursos Humanos, Psicodrama Pedagógico, Dinâmica de Grupos e formação em Psicologia. Gestora da área Gestão das Relações do Trabalho (GRT) do TCMSP e professora da Escola de Contas do TCMSP em cursos de curta duração e Pós-graduação nas disciplinas de “Didática do Ensino Superior” e “Equipes e suas relações”, entre outros.

 

4. Referências

BALDUCCI, D.; KANAANE, R. Relevância da gestão de pessoas no clima organizacional de uma empresa de engenharia. Boletim Academia Paulista de Psicologia. Ano XXVII, nº 2, 2007. p. 133-147.

COSTA, L. V. Gestão de Pessoas: visão estratégica sobre temas contemporâneos. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2013.

EQUIPE BRASIL ESCOLA. Revolução Industrial.

https://monografias.brasilescola.uol.com.br/historia/revolucao-industrial.htm. (acesso em 05/05/18).

FISCHER, André Luiz. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In: Fleury, M.T.L. As pessoas nas organizações. São Paulo: Gente, 2002.

MELO, F.A.O; Santos, A.R.; HAYASHIDA, M.C.B.P.; MACHADO, T.F. A influência da gestão de pessoas no desempenho empresarial através do perfil do líder. IX SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia. Tema: Gestão, Inovação e Tecnologia para a Sustentabilidade, 2012.