TCM discute os impactos da Lei 13.655/18 nas atividades de controle externo Notícias

27/06/2018 12:00

Com o objetivo de estabelecer parâmetros de estabilidade e previsibilidade nas relações com a administração pública, sem tolher a atuação dos órgãos administrativos, jurisdicionais ou de controle, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo realizou, nos dias 11 e 12 de junho, o seminário "Impacto da Lei 13.655/18 nas atividades de controle externo".

O evento contou com a participação do conselheiro João Antonio, presidente do TCMSP. "Aproveitamos a histórica atuação de um órgão de controle externo para organizar essa comemoração diferenciada. Em vez de festas, decidimos realizar diversos eventos que agregam valor cultural, não somente para o Tribunal, mas para toda a sociedade", declarou o presidente.

Segundo João Antonio, a jovem democracia brasileira passa por um período de turbulência e os rumos do Estado brasileiro estão em disputa. "A democracia não existe sem dois ingredientes básicos: respeito às diferenças e valorização do contraditório. Essa é a essência de um regime democrático", afirmou. Um terceiro elemento que o conselheiro aponta é democratização do conhecimento. "Sem democratizar o saber, não construímos democracias fortes, consolidadas, consistentes", concluiu.

A primeira mesa do período da manhã, a cargo do presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, Márcio Cammarosano, teve como tema "A judicialização das políticas públicas". Cammarosano disse que, quando falamos em Estado de Direito, falamos, evidentemente, de funções do Estado. "Dentre elas, a função judicial, que se desenvolve sob a Lei. No exercício da função legislativa, temos o Estado inovando originariamente na ordem jurídica: criando normas, via de regras gerais e abstratas, de nível imediatamente infraconstitucional nos Estados como o brasileiro, que tem uma Constituição rígida", afirmou.

Depois disso, temos as atividades de aplicação do direito que se desdobram em duas falanges: "A aplicação do Direito sem força de coisa julgada, que implica o exercício da função administrativa, e a aplicação do Direito, geralmente compondo o exercício do Direito, com força de coisa julgada, caracterizada como exercício de função judicial submetida às funções judicial, legislativa e administrativa a regimes jurídicos parcialmente diferenciados", explicou o professor.

Para falar da "Hermenêutica e aplicação das Normas de Direito Público", o professor de Direito Administrativo e Constitucional da PUC/SP, Pedro Estevam Serrano, assumiu a segunda mesa. Serrano relatou que as teorias hermenêuticas procuram ter aplicação do Direito como centro. "Vários autores passaram a adotar esse tipo de ponto de vista, que é um ponto de vista que busca moderar a formalidade excessiva do positivismo exclusivista de Kelsen, de Joseph Raz e outros."

Sobre a aplicação das normas, de acordo com o professor, "cumpre ao cientista do Direito dizer o que o texto da norma determina". Ele vai descrever a partir das instâncias de competências o que é o Direito. "A democracia não ingressa no conteúdo da decisão política", descreveu.

E a decisão política, por sua vez, quando limitada, é obrigada a não desrespeitar os direitos de liberdade. "Ela é obrigada a realizar os direitos sociais e é obrigada também a realizar políticas públicas que visem à garantia desses direitos no plano estrutural", ressaltou Serrano.

O período da tarde começou com a palestra do professor de Direito Administrativo, interpretação e argumentação jurídica na graduação e na pós-graduação da PUC/SP, Ricardo Marcondes Martins, que falou do "Controle das atividades estatais na Lei 13.655/18". Essa lei era chamada no passado de Lei de Introdução ao Direito Civil, o que, segundo Marcondes, ”era um nome bastante pitoresco porque, do artigo 1°ao artigo 6°, existem normas sobre a compreensão e a aplicação do próprio Direito e, a partir do artigo 7°, as normas de Direito Internacional Privado, que trazem os critérios de quando normas de direito estrangeiro incidem no direito interno".

Historicamente, a lei em debate é polêmica. "Quando ela foi aprovada pelo Congresso, os órgãos de controle reagiram enfaticamente. Houve uma campanha para o presidente da República vetá-la integralmente", lembrou Marcondes, deixando claro que é natural as pessoas pensarem a administração pública e as questões que regem as administrações particulares sob uma ótica do Direito Privado. "A leitura que se faz da relação da administração com o administrado é uma leitura excessivamente apegada a um regime jurídico que foi pensado para uma relação entre particulares. Isso causa grandes problemas de interpretação e de aplicação do Direito", finalizou.

Por fim, o "Regime de transição e a modulação dos efeitos das decisões dos Tribunais de Contas" foi tema do professor de Direito Administrativo da USP, Gustavo Justino de Oliveira. Justino alegou que muito do que está sendo proposto, especificamente no que diz respeito a essa modulação de feitos das decisões, mesmo dos Tribunais de Contas, já vem acontecendo. "É que não havia um regramento para isso", expôs. Sendo assim, ela altera a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro especificamente no que diz respeito a referências de segurança jurídica e eficiência na criação, aplicação e também interpretação do Direito Público.

A Lei 13.655/18 prega que, na hora da decisão, o gestor público, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o Tribunal de Contas, consigam, de antemão, avaliar as consequências da sua decisão. "Órgãos de controle, órgãos de gestão, sociedade e mercado precisam conversar, precisam se entender, precisam colocar seus problemas sobre a mesa. É isso que essa Lei, em verdade, propõe", finaliza.

Uma síntese da lei foi apresentada no segundo dia pela professora da graduação, do mestrado profissional e da especialização na FGV Direito/SP, Vera Monteiro, na mesa "A racionalidade das decisões dos Tribunais de Contas". Ao trazer a irracionalidade que se deve evitar, Vera pontua que a lei tem como mote o respeito ao controle, aceitar a inovação com segurança jurídica, a ideia de que gestor e controlador podem inovar para garantir racionalidade na aplicação das decisões em benefício do cidadão. "O gestor público é, muitas vezes, tratado como o gestor que naturalmente pensa com o objetivo do desvio, mas nem sempre é assim. [...] o que a gente quer evitar, a partir dessa lei, é que a ideia do controle pelo Judiciário, pelos Tribunais de Contas, pelas controladorias, seja pautada exclusivamente com a ideia da repressão", afirmou Vera. O foco é evitar a paralisação do Estado. "A ideia é fazer com que essas várias cabeças estejam pensando com um único objetivo: melhorar a qualidade dos serviços públicos tendo como objeto o cidadão/usuário", completou a professora e advogada.

Parabenizando o TCM pela iniciativa, a professora e pesquisadora do Programa de Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Irene Patrícia Nohara, trouxe à discussão os "Valores jurídicos abstratos: interesse público e interesse geral". "O valor sempre tem um referente na realidade. [...] Você precisa do contexto para decidir, você não tem uma aplicação de valor jurídico abstrato sem essa concretude. Por exemplo, o que é razoável? Razoável é um meio em relação a um fim que não pode ser nem excessivo e nem redundar em uma falta", argumentou Nohara.

A professora da Universidade Mackenzie realçou que contempla aspectos positivos e alguns aspectos que são questionáveis e problemáticos na Lei. "Eu diria que essa sanção foi uma sanção que acabou não promovendo mecanismos que seriam efetivamente muito problemáticos, como a declaração de validade de contratos administrativos", pontuou. Porém, "na decisão e na aplicação de valores jurídicos abstratos, as pessoas, e qualquer julgador, devem medir as consequências práticas da decisão", completou.

Com a propriedade de falar sobre "A construção jurisprudencial na atividade de controle externo", o conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Alexandre Figueiredo Sarquis, explicou, na primeira mesa do período da tarde, que é firmado que a jurisprudência somente implica à coisa julgada, não sendo propriamente fonte do Direito. "A verdade é que a jurisprudência firmada em sucessivas decisões vale como verdadeira lei. Então, extensivamente se diz para designar o conjunto de decisões sobre um mesmo assunto ou uma coleção de decisões de um mesmo tribunal em um mesmo sentido", descreveu.

O conselheiro do TCE-SP coloca o Tribunal de Contas como um grande ideal, que tem como colaboradores membros, servidores e toda a sociedade. "Qual é a construção que eu proponho? Que nos debrucemos sobre o processo e identifiquemos quais são os pontos que podem fazer com que a jurisdição do Tribunal possa evoluir", ponderou.

Encerrando o seminário, o responsável pela direção geral da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), Francisco Gaetani, fez um retrato da administração pública federal, mostrando seus problemas atuais e como isso acaba refletindo nos órgãos de controle a partir do tema: "A necessidade de segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público: a motivação da Lei 13.655/18".

"A situação atual é de paralisia", iniciou o também ex-secretário executivo do Ministério do Planejamento e do Ministério do Meio Ambiente. "Em grande parte porque os gestores hoje têm uma percepção de risco absolutamente desfocada da realidade". Para ele, "qualquer órgão público está cheio de problemas no regimento, no estatuto, nos quadros técnicos, nos processos, no backlog", afirmou.

Gaetani enfatizou que o apoio da sociedade no enfrentamento dos desafios é muito importante para modelar os caminhos que estão por vir. "Chegamos a uma situação em que os poderes estão em confronto. [...] O governo precisa de todo mundo para andar. Se nós não chegarmos a uma conclusão sobre as regras do jogo que todos participaremos, vamos truncar", concluiu.

Assista na íntegra a parte 1 e a parte 2 do primeiro dia.

Assista na íntegra a parte 1 e a parte 2 do segundo dia.