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Estratégias Especulativas no Pregão Eletrônico com Encerramento Aleatório

Fernando de Oliveira Clemente 18/03/2019

Cada vez mais utilizado pelo poder público, o modelo de licitação Pregão Eletrônico é visto como benéfico ao erário ao garantir maior competitividade aos certames licitatórios e, como consequência, melhor preço à Administração. Nem sempre, porém, isso se realiza devido à utilização de estratégias especulativas por parte dos concorrentes, que podem inclusive receber o auxílio de robôs que automatizam a tarefa de dar lances em momentos decisivos com objetivo baixar o preço ofertado.

*Fernando de Oliveira Clemente é engenheiro de Computação e agente de fiscalização da área de Tecnologia da Informação do TCMSP.

Dentre os objetivos primordiais da licitação destacam-se a garantia da isonomia e a busca por economicidade nas contratações. O pregão é a modalidade de licitação, regida pela Lei Federal 10.520/02.

Embora tal Lei determine as regras do pregão presencial, no âmbito federal é o Decreto Federal 5.450/05 que regula as regras do pregão eletrônico e do sistema ComprasNet.

Ressalta-se que, embora tal decreto regule “a aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito da União”, o fato de o sistema federal ser utilizado por diversos municípios faz com que ele regule indiretamente como os municípios realizam suas compras eletrônicas.

O objetivo deste artigo é verificar se o modelo de licitação implementado pelo ComprasNet, caracterizado pelo encerramento aleatório, assegura os melhores resultados para a Administração. Como veremos, o modelo é significativamente distinto daquele preconizado para os pregões presenciais. Assim não devemos entendê-lo como um pregão que difere do presencial apenas pelo uso da Internet e da distância geográfica entre os licitantes, mas sim como um modelo distinto.

Breve consideração econômica

Se por um lado a Administração deve sempre objetivar a economicidade, o objetivo do licitante é o de maximizar seu lucro. O lucro esperado por sua vez pode ser dado pela fórmula (1):

lucro esperado = probabilidade de ganhar x margem.

Por sua vez a Probabilidade de Ganhar e a Margem são funções do Preço Ofertado (quanto menor o preço maior a probabilidade de ganhar, mas a menor a margem). Assim um licitante deve tentar ofertar um preço que ao mesmo tempo lhe dê reais probabilidades de ganho e uma margem de lucro razoável. Em se tratando de licitação do tipo menor preço, o melhor resultado para o licitante ainda pode ser entendido como ofertar o maior preço possível que ainda seja menor que a oferta de todos demais concorrentes. O Estado (2) por sua parte deve estabelecer regras de licitação que evitem com que o licitante consiga atingir ao mesmo tempo uma margem muito alta aliada a uma probabilidade real de ganhar.

Ainda, de acordo com a ciência econômica, em se tratando de mercados competitivos, espera-se que o lucro seja tão somente contábil e não econômico (3). Ainda que os conceitos jurídicos de bem ou serviço comum e o conceito econômico de mercado competitivo não sejam idênticos, pode-se considerar que tal modelo se aplica razoavelmente a parte significativa dos bens e serviços que em tese seriam contratados via pregão. Sendo assim, o que se espera é que a margem seja relativamente baixa, cobrindo os custos contábeis além de custos econômicos implícitos (ex. riscos, custos de oportunidade, etc.). Neste cenário, uma estratégia que dê uma chance real de ganhar o pregão (4), com uma margem de lucro relativamente alta seria economicamente vantajosa para o licitante.

Ressalto que durante o certame, apesar de um determinado produto possuir uma grande quantidade de fornecedores, no momento em que somente um pequeno grupo se inscreve para um determinado certame, este se torna um jogo (5) de poucos agentes.

Ressalvo, apenas, que o mercado é um tanto mais complexo que esses modelos. Uma empresa que, por exemplo, detenha grande estoque que precisa ser desovado não ficaria tentada a ganhar na margem e sim em garantir o contrato. A estrutura de mercado competitivo também pode ser afastada pela percepção de corrupção. Na medida em que empresários idôneos ficam receosos, o mercado de um determinado produto pode se tornar mais restrito. Entretanto, por mais que o comportamento dos licitantes não seja tão simplesmente previsível este pode ser observado em diversos pregões, como no exemplo que será analisado.

A forma como o pregão eletrônico ocorre no ComprasNet

A Lei 10.520/02 regula a forma como são conduzidos os pregões presenciais. No pregão presencial é realizada uma sessão pública, quando os interessados entregam os envelopes “contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos”. Posteriormente o autor da “oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela” são habilitados (6) para fazer novos e sucessivos lances. O pregão eletrônico, entretanto, segue um procedimento razoavelmente diferente sendo a fase de lances regrada pelo Art. 24 (7) do Decreto 5.450.

Em primeiro lugar tal decreto não estabelece esse limite de 10%, assim licitantes que entram com uma proposta inicial alta não são eliminados preliminarmente. Outra diferença é que o lance deve ser único e apenas menor que a última oferta do próprio licitante. Dessa forma o licitante pode fazer um lance maior que o mínimo, na esperança de que quem esteja em primeiro seja desclassificado, ou ainda para exercer posteriormente sua margem de preferência. O parágrafo 5º também estabelece que “durante a sessão pública, os licitantes serão informados, em tempo real, do valor do menor lance registrado, vedada a identificação do licitante”.

Outra diferença fundamental é que o encerramento da fase de lances não se dá em função do declínio dos licitantes em diminuir suas propostas e sim em função de dois tempos estabelecidos no parágrafo 7º (8): O tempo de iminência e o tempo de encerramento aleatório (9). Assim o vencedor do certame é aquele que tem o menor preço no momento em que se dá o encerramento, não havendo possibilidade de outros baixarem mais o preço depois disso.

Estratégia especulativa utilizada no ComprasNet

Por mais que o encerramento aleatório seja uma tentativa de coibir a estratégia de surpreender os concorrentes com um lance de último segundo, o que se observa é que, como estratégia, muitos concorrentes reservam suas propostas para a fase aleatória. Embora não saibam exatamente o momento de encerramento, estes com ajuda de alguma sorte podem entrar com o lance nos segundos finais. Ainda caso o encerramento não aconteça podem repetir a estratégia com uma nova tentativa. Doravante chamaremos tal estratégia de estratégia especulativa (10) ou competição por segundos.

Em primeiro lugar em uma busca simples na internet verificamos diversos artigos ou blogs instruindo os licitantes a reservarem seus lances para a fase de encerramento aleatório (11).

8 passos para ganhar muito dinheiro participando de pregões eletrônicos (12)

Aleatório – assim que o item entrar neste status significa que em poucos instantes ele fechará e quem ficar em primeiro colocado vencerá o item, é aqui que a disputa fica acirrada, o sistema do ComprasNet poderá finalizar a disputa do item entre 1 e 30 minutos, este tempo é sorteado pelo sistema e ninguém sabe quando acontecerá, nem os fornecedores e nem mesmo os pregoeiros.

Você poderá dar um novo lance a cada 3 segundos na situação de aberto e iminência, mas no aleatório você poderá dar lances somente a cada 20 segundos, então a estratégia faz parte deste “jogo”. Se um concorrente enviar um lance, este poderá entrar apenas 3 segundos após o seu lance, então se você estiver na frente e o período aleatório finalizar em até 3 segundos você irá Arrematar o item.

Encerramento aleatório do ComprasNet, aprenda mais (13)!

O período de encerramento aleatório do ComprasNet é o principal momento em que devemos oferece lances.

Trabalhando os lances no encerramento aleatório, de forma correta, podemos garantir vitórias cada vez mais lucrativas.

[...]

Não adianta dar lances em uma licitação desde o momento em que o pregoeiro nos deseja bom dia.

Tal atitude apenas encorajará os concorrentes a encaminharem seus lances cada vez mais cedo, diminuindo o valor final do contrato drasticamente.

[...]

De forma que, ofertar lances com diferenças mínimas, irá fazer com que consigamos nos manter mais tempo vivos na disputa.

Também fica claro que, ofertando lances somente no encerramento aleatório, você irá perder algumas licitações.

Não se preocupe, a lucratividade das que você ganhar irá sobrepor as licitações perdidas

Para maior compreensão, sugiro que leia também o artigo:

Encerramento aleatório | Nunca oferte lances antes dele!

Tal estratégia especulativa ainda pode (14) receber o auxílio de robôs que automatizam a tarefa de baixar o preço. Conforme a reportagem (15)“Em milésimos de segundos, o robô faz um lance menor, com a diferença de valor programada. Na prática, ele funciona como uma espécie de interceptador das informações que o próprio Ministério do Planejamento envia para todos os usuários do ComprasNet. Antes mesmo que a mensagem de que um outro concorrente reduziu o preço chegue aos computadores daqueles que não dispõem de um robô eletrônico, o programa reduz o preço ofertado”.

O uso de robôs pode ser controlado através de regras como as que estipulam um intervalo mínimo entre os lances. No entanto, isso apenas reduz a vantagem de se utilizar robôs. A estratégia especulativa continua tecnicamente possível mesmo sem o uso de robôs. De fato o robô apenas automatiza tarefas que seriam feitas por humanos, sendo apenas mais veloz e barato (16).

Apesar de tal estratégia ajudar os licitantes a ganhar contratos lucrativos vencendo a licitação quase sem baixar o preço, ela potencialmente traz efeitos danosos para a Administração como veremos.

Poder-se-ia, em primeiro lugar, cogitar que a presença de um licitante com tal estratégia não traria resultados deletérios à Administração. Este só ganhará o certame se ao final fizer a oferta mais vantajosa. Em uma análise isolada, excluindo-se tal licitante, o resultado no final da fase de lances teria sido de fato melhor com ele.

O problema ocorre, no entanto, em situações em que essa estratégia se torna comum ou dominante. Se analisarmos do ponto de vista de racionalidade econômica, os estímulos para baixar o preço antes da fase de encerramento aleatório (ou nos segundos finais da fase de iminência) podem ser poucos. Ao fazer isso, um licitante contribuiria para a diminuição do preço do item (17), mas provavelmente pouco receberia em termos de probabilidade de ganhar o certame.

Reduzir o preço prematuramente apenas aumentaria a previsibilidade do certame, seja por evitar erros, seja por favorecer a empresa mais eficiente. No entanto, em uma situação que a empresa não possui vantagem competitiva significativa (18) a previsibilidade em si não a beneficia.

Quando todas (19) as empresas adotam esta estratégia, e caso o tempo da fase aleatória não seja longo o bastante para reduzir os preços, a licitação, ao invés de se tornar uma competição de quem oferta o menor preço, se torna uma disputa especulativa por segundos de liderança na qual a sorte é um grande fator. Além disso, ainda que uma empresa não se utilize desta estratégia o resultado seria similar. O preço só começará a cair se ao menos duas empresas começarem a disputar lances entre si. Embora o uso em conjunto nos faça pensar em ajustes prévios e conluios, na verdade essa estratégia independe de comunicação e funciona como um acordo tácito.

Conforme o parágrafo anterior, o uso em conjunto de tal estratégia pode levar a resultados ruins para a Administração quando o tempo do aleatório não é longo o bastante para que o preço caia, e isso pode ocorrer na dependência de três fatores. O fator mais óbvio seria quando o tempo do aleatório é muito curto. Entretanto, se as propostas iniciais começam muito acima do valor de referência e o intervalo entre os lances é pequeno, por exemplo de centavos, o tempo necessário para que o preço caia a seu valor real através de lances sucessivos pode ser grande, maior até que o máximo de 30 minutos. Ainda, como no pregão eletrônico não existe a regra de somente os 10% ou dos três primeiros estarem habilitados para fase de lances, os licitantes ficam com pouco ou nenhum estímulo para começarem com uma proposta inicial baixa ou até mesmo factível.

Uma empresa com uma estratégia competitiva, para garantir a vitória em uma licitação em que todas as demais se utilizam desta estratégia especulativa, teria que lançar um valor prematuramente baixo (20) para garantir que seu lance seja vencedor. Isso, no entanto, subverteria a lógica de lances sucessivos preconizada pela Lei do Pregão. Dependeria ainda dessa percepção para não ser envolvida inadvertidamente (21) na competição por diferenças mínimas durante o encerramento aleatório.

Chamo também a atenção para outra consequência da complexidade do procedimento. Embora a habilidade de dar lances com velocidade e no momento correto se torne valiosa para os licitantes, do ponto de vista do interesse público o ideal seria que as empresas fossem selecionadas com base em competências com relação ao item fornecido e não em sua habilidade em ganhar licitações (22).

Ressalvo que tal estratégia somente funciona plenamente quando não há intervalo mínimo entre lances. Um intervalo mínimo entre lances diminui o tempo necessário para que o valor caia ao que cada licitante está disposto a oferecer. Ressalvo também que tal estratégia especulativa funcionaria plenamente somente quando aplicadas por micro e pequenas empresas (23) ou por grandes empresas em pregões em que micro e pequenas empresas não sejam partes competitivas.

Ainda sim, é possível que mesmo com intervalos mínimos as empresas optem por reservarem seus lances ao aleatório para que maximizem seus ganhos na esperança do tempo sorteado no randômico ser curto.

Legalidade, os riscos de dano ao erário e de seleção de proposta menos econômica

Em primeiro lugar, embora as empresas visem maximizar seu lucro, existem parâmetros legais que impedem negócios fora de valores de mercado (24).

Porém, por ser a pesquisa de preços muitas vezes feita através de pedidos de orçamentos enviados a um número limitado de empresa, não se pode ignorar os riscos de que ela seja imperfeita. Por fim, ainda que a pesquisa de preços traga um parâmetro razoável, um mecanismo de licitação não eficiente pode levar à seleção de proposta menos econômica (25), ainda que a proposta selecionada não seja comprovadamente lesiva.

Além da nulidade de um resultado final lesivo ao erário, devemos também nos questionar ao menos duas ações que podem ocorrer durante a licitação.

Em primeiro lugar, não me parece plenamente regular o oferecimento de propostas iniciais acima de qualquer parâmetro. Um dos deveres do licitante é remeter uma proposta. Ao fazer uma proposta inicial absurda (26), e reservar suas melhores propostas para momentos posteriores, estaria fazendo uma “não-proposta” (27). Assim estaria apenas formalmente atendendo à regra de dar uma proposta. Ressalvo, porém, que licitantes não devem ser surpreendidos e que as regras devem ser claras no edital.

Em segundo lugar, muito embora o decreto federal abra a possibilidade do pregoeiro em negociar com o “licitante que tenha apresentado lance mais vantajoso”, o ComprasNet permite ao pregoeiro negociar com aquele que tenha ofertado o “menor lance”.

Tal faculdade possibilitaria em tese ao pregoeiro buscar preços ainda mais vantajosos. No entanto, o ComprasNet permite negociar com licitantes que tenham ofertados lances muito acima do valor de referência para que com isso se chegue a um valor minimamente vantajoso. Efetivamente permite negociar com aquele que apresentou a proposta “menos desvantajosa”.

O pregoeiro deve, então, ter muita cautela nesse tipo de negociação visto que, quando o pregão toma um rumo pouco competitivo, a única garantia de que o resultado não será lesivo é a qualidade da pesquisa de preços. Inadvertidamente, a licitação poderia se tornar uma disputa pela oportunidade de se contratar pelo valor de referência.

Outros sistemas de compras eletrônicas

Muito embora o modelo de encerramento aleatório seja aplicado pelo ComprasNet, o sistema BEC/SP adota procedimento diverso, descrita pela Resolução CC-27, de 25 de maio de 2006. Neste o sistema prorroga automaticamente o prazo sempre que um lance menor é dado. Nesse sentido segue a lógica do pregão presencial e também coíbe o lance de último segundo.

Artigo 12 - A fase externa do pregão eletrônico observará as seguintes regras:

IV - realização da etapa de lances, exclusivamente por meio do sistema eletrônico, para os autores das propostas classificadas;

V - admissão de lances cujos valores forem inferiores ao último ofertado, observada a redução mínima entre eles quando estabelecida no edital, prevalecendo o primeiro recebido se ocorrerem dois ou mais lances do mesmo valor;

VI - informação, aos licitantes, no decorrer da etapa de lances, pelo sistema eletrônico:

a) dos lances admitidos, horário de seu registro no sistema e respectivos valores;

b) do tempo restante para o encerramento da etapa de lances;

VII - prorrogação automática pelo sistema, quando houver lance nos últimos 5 minutos da etapa de lances, de mais 5 minutos visando à continuidade da disputa, e assim sucessivamente até que não sejam registrados quaisquer lances;

Além do sistema BEC/SP outro sistema amplamente utilizado é o do Banco do Brasil (28). Este suporta os dois tipos de encerramento: o randômico e o de prorrogação sucessiva.

Por fim, ressalto que o sistema de prorrogação sucessiva não é invenção da BEC/SP, mas é usado internacionalmente em sistemas como os da Amazon e Yahoo (soft close) com resultados superiores ao encerramento fixo (29).

Exemplo de um item de pregão

Iremos neste caso analisar o item 1 da ata do pregão Nº 00017/2007 da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo.

Tal resultado é aberto e pode ser obtido pela URL direta http://comprasnet.gov.br/livre/pregao/AtaEletronico.asp?co_no_uasg=925011&numprp=172007 ou ainda consultando-se os pregões da unidade (UASG 925011 - Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo).

Ressalto que, muito embora o pregão seja antigo, estratégias similares são encontradas em pregões mais recentes. Escolhi este como exemplo principalmente por ter uma fase de aleatório que durou próximo do máximo de 30 minutos com quatro licitantes disputando até o minuto final, com uma queda de preços que até o minuto 25 era de apenas 0,4%. Por fim, o pregoeiro optou por considerar o item como prejudicado.

Neste exemplo vamos observar os diversos mecanismos discutidos nesse artigo. Em primeiro lugar vemos que seis licitantes vieram com propostas iniciais. Observa-se que nesta etapa tivemos a seguinte classificação:

Após o início e até o encerramento da fase de iminência tivemos apenas mais uma proposta, sendo que esta não alterou a classificação.

Por fim, durante o encerramento aleatório tivemos mais 96 propostas (num intervalo de 28 minutos e 37 segundos). Construímos um quadro com apenas aquelas que foram abaixo da mínima anterior (representaram mudança na liderança) e observamos o seguinte:

Observamos então que quatro das empresas fizeram propostas até o minuto final do pregão. Observa-se também que a fase de lances redundou numa redução de 5,45% no preço quando comparado ao menor lance antes dessa fase.

Observa-se também que uma empresa reduziu seu valor em 67,4% com relação a sua própria proposta inicial. Para isso também montamos um quadro.

Observamos ainda dois parâmetros importantes: uma redução média de 0,07769% e mediana de 0,00614% (R$ 18,75 e R$ 1,51) por lance e um intervalo médio de alternância entre lideranças de 24 segundos com mediana de 10 segundos.

Com a coluna queda total, é possível ainda avaliar o quanto o preço deixaria de cair caso a fase aleatória tivesse sido mais curta. Observamos então que os licitantes foram inicialmente tímidos, com a queda ultrapassando a barreira de 1% após 27 minutos.

Construímos por fim um quadro com o tempo total de liderança de cada empresa e suas contribuições para a redução de preço. Com isso também conseguimos ver que embora as quatro tenham feitos lances até o minuto final, o tempo de liderança de cada uma variou significativamente, indicando a importância da habilidade do licitante em dar lances rápida e estrategicamente.

Ressalvas

Ressalvo que toda essa análise leva em conta tão somente o mecanismo de lances. Outros fatores influenciam o resultado final, e o uso do pregão eletrônico possui diversas vantagens, como facilitar a entrada das empresas (por diminuir o custo de participação) e facilitar o trabalho de auditoria e a transparência.

Por fim, destaco que a escolha entre modelos de licitação pouco cabe ao gestor, visto ao princípio da estrita legalidade. Tratando-se de pregões eletrônicos, porém, o administrador pode (31) escolher entre os sistemas ComprasNet, Bec/sp para os municípios do estado de São Paulo e Banco do Brasil.

Ainda em se tratando do ComprasNet deve o pregoeiro estar atento ao uso de estratégia especulativa pelos licitantes e dos riscos de se negociar para chegar ao valor de referência.

Trabalhos na mesma linha

Escrevi este artigo quando tratava dados de pregões ComprasNet (32). Enquanto escrevia pesquisei se alguém escrevia algo na mesma linha. Encontrei o artigo em inglês “Pregões com Encerramento Aleatório (33)”, de Can Celiktemur (34) e Dimitri Szerman (35), que analisaram o comportamento dos licitantes em uma série de pregões (36).

Os autores sugeriram que seria melhor para cada licitante de um ponto vista ex-ante que todos os licitantes combinassem de entrar com valor alto e mutuamente tentem ganhar de cada um com lances de último segundo (37) no final do pregão. Em uma série histórica constataram:

  1. Licitantes deixam os lances para a fase final do pregão;
  2. Uma porção dos leilões se resolve prematuramente;
  3. Incrementos das propostas são tipicamente pequenos;
  4. Grandes incrementos ocorrem mais comumente nas fases iniciais do pregão.

Por fim, concluem que, a despeito das intenções daqueles que o projetaram, o encerramento aleatório não coíbe a estratégia de oferta tardia, e que os licitantes usam os últimos minutos dos pregões para superar as ofertas anteriores com diferenças mínimas.

Apresentam ainda uma tabela com dois períodos de análise distintos (de junho de 2004 a abril 2006 e de setembro de 2006 a setembro de 2010) indicando que respectivamente 53% e 68% dos pregões se resolvem somente no aleatório e, destes, 8% e 9% respectivamente nos últimos 10 segundos e 23% e 18% no último minuto.

Propõe ainda que uma provável consequência do encerramento aleatório é que este não seria eficiente ex-post e que o vencedor poderia ser escolhido de forma aleatória entre aqueles que usam oferta tardia (38) e que o mecanismo daria melhores chances àqueles que dão lances altos (39).

Conclusão

Verificamos que o pregão eletrônico ComprasNet diferencia-se do pregão presencial preconizado pela Lei 10.520 de algumas formas substanciais, que afetam a estratégia das licitantes.

Em primeiro lugar, não há o limite de 10% de diferença com a menor proposta. Isso faz com que o licitante tenha poucos incentivos para ofertar um valor inicial baixo.

Em segundo, a licitação não se encerra somente com o declínio dos demais licitantes em baixar o preço, mas sim em um prazo aleatório.

Por fim, o ComprasNet permite ao pregoeiro negociar com os licitantes que fizeram lances muito acima do valor de referência.

Isso em conjunto possibilita aos licitantes uma estratégia de entrar com um valor inicial alto e tentar ganhar a licitação através de baixas mínimas nos preços nos segundos finais do prazo aleatório. Tal estratégia quando adotada em conjunto, ainda que sem malícia ou em conluio tácito, pode transformar a competição de um certame pelo menor preço numa competição por segundos de liderança no prazo randômico.

Conclui-se que o modelo adotado não é capaz de assegurar os melhores resultados para a Administração. Tal modelo sob algumas circunstâncias permite que competidores consigam vencer licitações com lances altos para posteriormente reduzi-los ao valor de referência mediante negociação.

Portanto, os pregoeiros devem estar alertas à dinâmica de evolução das propostas e serem cautelosos com as negociações.

 

NOTAS DE RODAPÉ:

(1) Bidding Strategy Using Friedman Model for Building Construction Project in Banjarbaru Indonesia.– Em tradução livre. Embora tal equação seja mais utilizada em modelos de proposta cega (ex. concorrência lei 8.666), ela se aplica sempre que o resultado for imprevisível.

(2) Aqui utilizo o termo Estado pois as regras de licitação são em boa parte definidas por leis federais estabelecidas pelo Congresso há anos, ou ainda decretos, tendo o Administrador reduzida discricionariedade na estipulação das regras. No caso do comprasnet seu regramento se deu por decreto federal, sem discussão nas casas legislativas.

(3) O que tenho observado pregões tem frequentemente 6 ou 7 concorrentes. Neste cenário em igualdade de condições as probabilidades seriam em torno de 15%.

(4) O que tenho observado pregões tem frequentemente 6 ou 7 concorrentes. Neste cenário em igualdade de condições as probabilidades seriam em torno de 15%.

(5) A teoria dos jogos estuda os modelos matemáticos de conflito e cooperação entre agentes inteligentes e racionais – Game Theory – Analysys of Conflict - Roger B. Myerson – 1991- Coganhador do Nobel de Economia em 2007. Tradução Livre

(6) Não havendo pelo menos 3 (três) ofertas nas condições definidas no inciso anterior, poderão os autores das melhores propostas, até o máximo de 3 (três), oferecer novos lances verbais e sucessivos

(7) Art. 24. Classificadas as propostas, o pregoeiro dará início à fase competitiva, quando então os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(8) § 7o O sistema eletrônico encaminhará aviso de fechamento iminente dos lances, após o que transcorrerá período de tempo de até trinta minutos, aleatoriamente determinado, findo o qual será automaticamente encerrada a recepção de lances.

(9) Caso o tempo do pregão fosse pré-estabelecido o licitante poderia como estratégia reservar sua proposta para o segundo final e surpreender assim os demais licitantes.

(10) Internacionalmente encontramos a palavra sniper ou franco atirador para descrever o fenômeno. https://www.wired.com/2002/09/ebay-bidders-sold-on-sniping/?currentPage=all Acessado em 10.09.2018

(11) https://pt.slideshare.net/LicitacaoPublicas/09-erros-comuns-que-voce-comete-em-prego-eletronico-35606529/1 Acessado em 14.08.2018.

(12) https://www.effecti.com.br/8-passos-para-participar-de-licitacao/ Acessado em 14.08.2018.

(13) https://aprendalicitacoes.wordpress.com/2017/05/03/primeiro-post-do-blog/. Acessado em 24.08.2018

(14) Conforme a própria reportagem abaixo o Tribunal de Contas da União tem se posicionado pela ilegalidade de tal uso.

(15) https://istoe.com.br/139247_GOLPE+NO+PREGAO+ELETRONICO/ Golpe no pregão eletrônico. Empresários usam programa de computador para fraudar os leilões eletrônicos do governo e Ministério do Planejamento admite que ainda não sabe como evitar esta prática que se espalha pelas concorrências públicas. 27/05/11 Acessado em 14.08.2018

(16) Em larga escala. Representa um investimento inicial que pode se pagar com a redução da mão de obra.

(17) Induziria os demais licitantes a baixarem o preço mais cedo.

(18) Pela fórmula apresentada, a vantagem deve ser tal que o aumento na probabilidade de ganhar compense a redução na margem.

(19) Com variados graus de percepção ou malícia. Para que a dinâmica aconteça basta que a empresa se abstenha de cobrir os lances e propostas antes do encerramento aleatório, e que a diferença entre os lances não seja significativa.

(20) Que as outras não estejam dispostas a cobrir.

(21) Como visto no item anterior para que a dinâmica aconteça basta que não mais de uma empresa comece a disputar lances antes do aleatório.

(22) Outras causas como a burocracia e a percepção de corrupção também poderiam afetar a seleção de forma adversa, mas ressalto que a complexidade do sistema de licitações é mais um fator.

(23) Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. § 2 Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.

(24) Lei Federal 8.666/93 Art. 43 IV -verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;

(25) HARD AND SOFT CLOSES: A FIELD EXPERIMENT ON AUCTION CLOSING RULES Daniel Houser - George Mason University and John Wooders - University of Arizona

(26) No exemplo estudado veremos que a proposta inicial de um licitante foi mais de três vezes maior que o menor lance do próprio licitante.

(27) Poderia também ser uma intenção de ganhar com valores exorbitantes, hipótese mais grave.

(28) http://www.boselli.com.br/o-encerramento-aleatorio-do-pregao-eletronico/ O ENCERRAMENTO ALEATÓRIO DO PREGÃO ELETRÔNICO Setembro de 2016 – Acessado em 15.08.2018 Felipe Boselli.

(29) HARD AND SOFT CLOSES: A FIELD EXPERIMENT ON AUCTION CLOSING RULES Daniel Houser - George Mason University and John Wooders - University of Arizona

(30) Na fase inicial vemos um único lance. O pregoeiro estabeleceu então que em 20 minutos o pregão se encerraria, mas nenhuma movimentação ocorreu como veremos. Por fim somente durante o randômico sorteado pelo sistema que a disputa começou.

(31) A menos que disposto em contrário em legislação

(32) Tentava tornar comparáveis valores em diversos campos mas as bases não eram iguais.

(33) Auctions with Random Ending Time de 3 de dezembro de 2012

(34) Department of Economics, London School of Economics

(35) Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas, PUC-Rio

(36) Feitos no próprio Comprasnet

(37) Snipe each other.

(38) Late biding.

(39) Weak Bidders