Stela Goldenstein revela que um dos principais problemas ambientais de São Paulo é a ocupação do solo Notícias

20/10/2021 16:00

Em mais um programa que trouxe questões complexas, o Encontros Plurais, de iniciativa da Escola de Gestão e Contas Públicas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), debateu, no final da tarde de terça-feira (19/10), os problemas que envolvem a gestão de águas, resíduos, tratamento de esgoto, saneamento e desenvolvimento urbano que estão entre os desafios a serem enfrentados para melhorar o meio ambiente das grandes cidades e transformá-las em locais seguros e saudáveis para seus habitantes.

Para isso, o jornalista Florestan Fernandes Jr. e o diretor-presidente da EGC, Maurício/Xixo Piragino, receberam a geógrafa e especialista na área de urbanização com foco no meio ambiente Stela Goldenstein.

Logo de cara, Florestan abordou uma questão desafiadora para São Paulo, que já passou por várias gestões: a despoluição dos rios Pinheiros e Tietê. Há quase 30 anos alguns projetos tentam limpar esses rios e consumiram dos cofres públicos, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), R$ 2,156 bilhões com o Tietê e R$ 28,5 bilhões com o Pinheiros. "Eu acho que a gente já teve alguns resultados bastante interessantes, mas absolutamente não suficientes", afirmou Stela. "Quando a gente fala no vínculo do cidadão, da população em geral com os rios, com muita frequência se fala no Rio Tietê, no Rio Pinheiros, nos grandes rios que cruzam a cidade, mas o vínculo que a população poderia, em primeiro lugar, ter é com aqueles córregos e rios próximos aos lugares onde vivem. Porém, a forma como nós construímos a nossa cidade, a sociedade como um todo (governos, ricos, pobres, reguladores, fiscalizadores - é responsabilidade coletiva), nós degradamos esses rios e isso faz com que as pessoas não olhem para esses rios com simpatia, vejam eles como uma coisa agressiva e busquem pensar formas de eliminá-los da vista, ou seja, cobrir. Mas poderíamos sim ter uma convivência mais harmoniosa com os rios e isso não depende tanto de saneamento, depende, em primeiríssimo lugar, de ocupação do solo. Quer dizer, do padrão de expansão da cidade. Daquele núcleo inicial, na área mais central, nós fomos construindo loteamentos distantes e o poder público levando infraestrutura a reboque. Esses loteamentos foram sendo implantados sem a infraestrutura necessária; foi autorizada, foi legalizada a existência desses loteamentos sem rede de esgoto, sem rede de água, que foram levados a posteriori, sempre muito atrasado. Só a partir da década de 1970 é que tivemos uma unificação dos sistemas de quase todas as cidades da região metropolitana em uma empresa, investimentos federais e estaduais, para fazer a rede de infraestrutura sanitária, mas é insuficiente ainda", analisou a convidada.

Nessa perspectiva, Stela lamentou o fato de que o Brasil ainda não saiba como resolver o problema da falta de gestão metropolitana desses pontos. "Nossas grandes cidades estão todas localizadas em áreas metropolitanas e a Constituição brasileira define que os três níveis da federação (a União, os estados e os municípios) têm o mesmo peso, mas não define a articulação necessária para a gestão metropolitana. A gente sabe que os municípios têm que se entender e fazer a gestão da região metropolitana, sabe que os municípios sozinhos não podem fazer isso, têm que fazer junto com o estado, inclusive porque os orçamentos municipais não são suficientes, é preciso orçamento do estado. [...] No entanto, é inevitável fazer a gestão das águas e do esgoto em uma articulação para a região metropolitana. [...] Os mananciais são compartilhados, são os mesmos mananciais para toda a região metropolitana, a canalização que traz essa água, o tratamento dessa água em estações, a canalização da coleta de esgoto, o tratamento desse esgoto é todo feito integrado. Então, não tem como um município dizer: 'Não, eu vou fazer sozinho'. E agora a Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] tem realmente a gestão do conjunto dos municípios de uma forma que permite que a gente cobre mais seriamente", disse ela.

Os números são alarmantes: a região metropolitana é composta por 39 municípios, que tem uma população estimada em 21 milhões de habitantes, sendo que quase 10% dessa população não tem acesso à coleta de esgoto e a água potável não chega às torneiras das casas de 120 mil famílias. O resultado disso é que 139 pessoas morrem por contaminação anualmente. Para melhorar esse quadro, a ex-conselheira da Sabesp acredita que a situação envolve muitas políticas públicas paralelas que têm que ser trabalhadas de forma integrada. "Primeiro, como se faz para estancar o processo de ocupação? Não pode ser conivente com a invasão, a fiscalização tem que ser realmente rígida. Segundo, precisa oferecer alternativa para as pessoas de baixa renda, as pessoas têm que morar em algum lugar. Ninguém vai querer morar em um lugar longíssimo e sem infraestrutura porque tem gosto por isso, não dá para dizer que seja bucólico morar naqueles lugares. [...] Existem alguns exemplos de reurbanização que torna algumas dessas áreas bastante descentes, bem agradáveis. Na beira da Billings tem um exemplo muito bonito, que todo mundo sempre cita, vale a pena visitar, chama Cantinho do Céu. Tem outros vários exemplos, alguns deram mais certo, outros não. Nós tivemos, durante muito tempo, que a urbanização de favelas, a urbanização dessas áreas teria que se dar pela retirada de toda a população, colocada de todos em habitação de aluguel, daí constrói conjuntos habitacionais e traz todo mundo de volta. Não tem dinheiro suficiente para isso. Tem um custo social muito grande, tem um custo institucional muito grande, demora muito tempo e desagrega essa população, imediatamente se dá aquilo que a gente chama de gentrificação. [...] O que nós temos visto? Que é possível não tirar todo mundo, mas tirar quem está em área de risco, quem está em cima de córrego e tirar população suficiente para criar arruamentos que possam receber ambulância, caminhão de gás e dar uma infraestrutura social suficiente, principalmente de área institucional: escola, pequenas praças, áreas de lazer, posto de saúde. Você não precisa tirar todo mundo para transformar aqueles bairros em bairros aprazíveis mesmo, humanos. Isso tem que ser feito em articulação com a Sabesp", opinou Stela.

Dentro da conversa a especialista também comentou sobre o porquê devemos estar atentos às questões da Amazônia, do cerrado e do Pantanal. "Os vários ambientes na Terra, tanto a vegetação, quanto os animais, e nós como animais, como clima, são segmentos integrados: muda um, muda o outro; interfere em um, interfere no outro. Isso não é uma novidade, é uma coisa que sabemos há bastante tempo, no entanto, lidamos mal com o fato", ressaltou.

Sobre a crise hídrica, Stela comentou a possibilidade de pensar em sistemas de reaproveitamento da água e sobre o papel que teve, em 2009, a Lei de Mudança Climática na cidade de São Paulo. "Coletar pequenas cisternas e levar para tratamento, seria um investimento monumental, porque você teria que ter toda uma nova rede em paralelo a rede que a gente tem para coletar isso e levar para a rede de tratamento. As represas são as nossas caixas d'água, a Billings é uma caixa d'água, é lá que a gente recebe as águas que vêm da Serra do Mar e que estão armazenadas lá em Pedreiras, no comecinho do Rio Pinheiros, em uma barragem para segurar as águas, deixarem se acumular e não0 irem para o Tietê. Elas, normalmente, iriam através do Pinheiros, mas não, ficam presas lá e formam a Billings, de onde pe099999gamos um bocado de água, uma parcela importante da nossa água vem de lá, é a nossa grande caixa d'água. A outra é Guarapiranga, que abastece cerca de 25% da região metropolitana. Então, o que nós temos que fazer é proteger as represas, é a principal coisa", defendeu. "Um outro destino que seria interessante: um conjunto habitacional que seja planejado de início para ser ambientalmente sustentável, poderia colher a água de chuva e ter uma canalização dedicada para o sistema sanitário dos apartamentos, ou seja, a descarga das bacias sanitárias utilizar a água de chuva armazenada e aí ela não vai mais para o córrego, ela vai para a coleta de esgoto, vai ser tratada na estação de tratamento de esgoto e vai para um rio. É absolutamente adequado", explicou.

Pensar em educação ambiental é necessário, por isso, Stela contou que uma das metas que colocou enquanto secretária municipal de Meio Ambiente foi a distribuição de parques pela cidade para que a população criasse o hábito de cuidar. "A ideia era que você precisa ter equipamentos de áreas verdes de tamanhos distintos espalhados pela cidade toda, de tal forma que cada pessoa possa, saindo de sua casa em uma caminhada de poucas quadras, chegar a uma pequena praça, em uma caminhada um pouco maior, chegar a um lugar com quadra de esporte, mais infraestrutura e sempre área verde. Isso tem muito a ver com Educação. As pessoas podendo usufruir de áreas de boa qualidade, de áreas ambientalmente seguras, tendem a cuidar mais dos seus lugares também. Os parques são sempre instrumentos de democratização, é um espaço extremamente democrático, onde pessoas de todas as classes sociais se mesclam e usufruem do mesmo espaço e veem o espaço bem cuidado, isso é extremamente educativo, isso é poderoso para reconciliar as pessoas com a cidade. O que eu estou querendo dizer é que a educação ambiental tem que ter como suporte, boa infraestrutura e bons serviços". Além disso, reforçou que é preciso dar aos professores capacitação para entender o assunto, para ter nas mãos instrumentos pedagógicos que permitem uma atuação mais efetiva no sentido da educação ambiental.

Lembrando como o ser humano impacta o meio ambiente, Xixo analisou que durante o período de maior isolamento social o céu ficou mais limpo, se viam mais pássaros e questionou se Stela teria uma diretriz para garantir essa preservação. "Eu apostaria em urbanizar os centros de bairro", respondeu a geógr0afa. "Os centros de bairro em toda periferia da região metropolitana, mas pensando na cidade de São Paulo muito especialmente, precisam ser revitalizado e ganhar infraestrutura institucional: área de lazer pública, biblioteca, cinemas, muita praça e, principalmente, calçadas, áreas para as pessoas circularem, fazerem compras. Isso traria muita qualidade de vida para a cidade e permitiria uma convivência mais amenas nesses lugares", completou.

Para a ambientalista, São Paulo precisa de muito mais área verde, para isso precisa de dinheiro. "Você tem que desapropriar área, destinar áreas públicas para criar áreas verdes e a gente não faz isso. É uma cidade inacabada. Se você fizer o levantamento, e algumas vezes eu tentei fazer isso, das áreas públicas não ocupadas e fazer uma política ativa para transformar essas áreas em parques, não precisa ser parques, em praças, em áreas verdes, em áreas que possam receber chuvas e ter impermeabilidade, ter árvores, já teria um grande ganho. Isso é dinheiro para a Secretaria de Meio Ambiente? Não, pode ser feito pela Secretaria de Subprefeituras, não tem problema. [...] Então, a Secretaria do Meio Ambiente precisa de mais recursos? Precisa, só que mais do que tudo, todas as secretarias têm que se envolver na questão ambiental e o governo municipal tem que ter uma política agressiva de criar mais áreas verdes para ter uma cidade mais humana", defendeu sobre a questão orçamentária.

Stela também tratou sobre assuntos como desigualdade, escassez de alimentos em um país que é o principal exportador de carne do mundo, centralização de poder, inchaço nos grandes centros e falta de oportunidade de trabalho nas periferias.

Ao final, participou do tradicional bate-bola de perguntas pontuais com Xixo, deixando um conselho para o prefeito Ricardo Nunes, revelando qual é o maior problema da cidade de São Paulo, em sua opinião, o que mais gosta na cidade de São Paulo, o que menos gosta e o que está assistindo no momento.

Para conferir muito mais sobre o programa, assista aqui: