Auditoria avalia qualidade das creches da rede municipal de ensino paulistana Notícias

30/06/2021 09:30

A Subsecretaria de Fiscalização e Controle (SFC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) promoveu uma auditoria nos Centros de Educação Infantil (CEI) da rede pública municipal da capital paulista para verificar se as creches têm propiciado aos bebês e crianças as condições necessárias ao seu desenvolvimento, examinando aspectos sensíveis à oferta de ensino de qualidade. A análise abrangeu o período de 2018 a 2020 e foi realizada pelos técnicos do TCMSP entre abril de 2020 a fevereiro de 2021. O tema pertence à relatoria do conselheiro Maurício Faria.

Para a realização do trabalho, os auditores analisaram as estruturas central (Secretaria Municipal de Educação - SME), regional (Diretorias Regionais de Educação - DREs) e local (Centros de Educação Infantil - CEIs) relacionadas ao atendimento das crianças de zero a três anos, tanto da rede direta, onde a unidade educacional é administrada diretamente pela SME, como da rede parceira, em que a unidade é gerida por uma organização da sociedade civil, com repasse de recursos da SME formalizado por meio de termo de colaboração. Também foram aplicados, para subsidiar a análise de vários pontos de verificação, questionários eletrônicos (on-line) a diretores e professores de 39 CEIs sorteados.

Em relação ao suporte administrativo oferecido pela SME e DREs, os auditores apontaram que há diferenças, quanto à educação especial, entre os CEIs da rede direta e os da rede parceira, uma vez que os procedimentos para inclusão dos bebês e crianças com deficiência, transtornos do espectro autista, altas habilidades e superdotação são menos burocráticos para a rede direta, e que somente as unidades da rede direta dispõem de Auxiliar de Vida Escolar (AVE), contrariando o disposto no art. 21 do Decreto Municipal nº 57.379/2019.

Além disso, há evidências de problemas no atendimento inclusivo permeando igualmente CEIs diretos e parceiros, tais como ausência de diretrizes bem definidas e efetivas emanadas pelos órgãos de organização central e regional de educação, ficando o atendimento, na prática, a cargo da organização interna e das condições materiais existentes em cada unidade de educação infantil; há escassez de unidades com professor habilitado para realizar a inclusão das crianças com deficiências; carência de formação específica para a inclusão de crianças com deficiência em 67% das escolas de educação infantil; e falta de Professores de Atendimento Educacional Especializado (PAEEs) lotados nos CEIs para atuar de forma colaborativa com os demais colegas no trabalho de inclusão. A carência de profissional com formação específica em educação especial pode ocasionar prejuízo ao desenvolvimento dessas crianças.

No que se refere à atuação da supervisão escolar, os relatórios ou termos de visitas analisados revelam que há proporcionalmente mais registros de necessidades de adequação aos padrões de qualidade da educação infantil paulistana nos CEIs da rede parceira do que nas unidades da rede direta, sendo que as maiores diferenças entre eles dizem respeito à organização do espaço físico (ambientes) e recursos materiais e mobiliários.

O principal resultado dos questionários aplicados aos supervisores escolares diz respeito à dificuldade para cumprimento das orientações por eles emitidas, em virtude, dentre outros, da falta de autonomia das equipes gestoras para o cumprimento das orientações da supervisão escolar e de recursos financeiros para as adequações necessárias.

Quanto à estrutura administrativa e de gestão dos CEIs, os técnicos do TCMSP apontaram no relatório a existência de diferenças significativas relativas à estrutura organizacional entre CEIs diretos e parceiros em diversos aspectos, inclusive quanto ao quadro de pessoal, tais como:

a) repasse de verbas: diferentemente do que ocorre com a rede direta, os CEIs parceiros não recebem verbas do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), mas repasses mensais de recursos municipais, no valor pactuado em termo de colaboração;

b) jornada de trabalho: embora o sistema de atendimento seja idêntico entre os CEIs (integral com dez horas diárias), o tempo em sala de aula dos professores da rede parceira é consideravelmente maior (40 horas semanais, ante 25 – mais cinco destinadas a formação – na direta), havendo dois turnos nos CEIs diretos e turno único nos parceiros;

c) formação: embora não se possa ignorar o fato de que professores e gestores que ingressam na área pública via concurso (cargos estatutários) ostentam mais titulações do que os profissionais com vínculo precário com a Administração Pública (caso do quadro de pessoal dos CEIs parceiros, formado por celetistas) – o índice de participação dos profissionais em cursos e eventos de formação continuada é bastante similar (cerca de 90% dos profissionais entrevistados declararam ter participado de eventos dessa natureza ao longo de 2019). Entretanto, quase 70% dos docentes dos CEIs parceiros participaram das formações durante a parada pedagógica (até em virtude da carga horária desses professores em sala de aula), ante 15,9% dos professores da rede direta, que dispõem de mais momentos para investir em atualização e aperfeiçoamento;

d) rotatividade e retenção: os professores dos CEIs diretos sorteados atuam, via de regra, há mais tempo nessas unidades escolares do que os dos CEIs parceiros (87,9% trabalham na mesma escola há 6 anos ou mais, contra 58,4% da rede parceira). Esse resultado se mostra compatível com a intenção manifestada por diversos profissionais dos CEIs parceiros de migrar para a rede direta (65,2% dos diretores e 86,1% dos professores, respectivamente);

e) remuneração e condições de trabalho: os vencimentos de quase metade dos diretores dos CEIs diretos é superior a dez salários mínimos, enquanto os rendimentos de mais de 85% dos diretores dos CEIs parceiros sorteados não ultrapassam cinco salários mínimos. Entre os professores, os vencimentos de 70,9% dos docentes dos CEIs diretos estão entre três e cinco salários mínimos (23,7% recebem de cinco a dez salários mínimos); por sua vez, 99,2% dos professores dos CEIs parceiros recebem entre um e três salários mínimos.

Sobre a infraestrutura dos CEIs, o relatório da auditoria apontou que há diferenças entre os Centros de Educação diretos e os parceiros quanto aos imóveis em que estão instalados, a começar pelo controle da segurança predial contra incêndio; nenhum CEI direto da amostra contava com Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) válido, enquanto apenas um, dentre os 26 CEIs parceiros analisados, não dispunha de AVCB dentro do prazo de validade. Esse dado evidencia o tratamento diverso dado às redes, uma vez que a apresentação desse documento consiste em requisito para o início das atividades das escolas pelo modelo de parceria, exigência que não tem paralelo entre as unidades da rede direta.

Outros pontos apontados pelos técnicos no relatório evidenciam a diferença entre as redes, entre eles a inexistência de padrão nas vistorias prévias nos imóveis utilizados pelos CEIs parceiros, inadequação das plantas arquitetônicas ou croquis na maioria desses centros, ausência de ambientes internos de recreação e externos para contato com o meio ambiente, falta de solários, além de diferenças também no que se refere à acessibilidade dos imóveis e falta de sanitários para deficientes em suas dependências.

Sobre a avaliação da qualidade da rede municipal de educação infantil, o relatório técnico ressalta que dentre os problemas apontados pelas unidades nas edições de 2018 e 2019 dos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana, destacam-se uma série de carências, como a falta de conhecimento pelos pais do projeto político pedagógico da unidade; de interação do CEI com outras unidades de educação e demais equipamentos sociais; de profissional do sexo masculino nos CEIs; de vagas nos cursos de formação oferecidos pela DRE e SME para gestores, docentes e equipe de apoio; de atividades com recursos tecnológicos; além de problemas de infraestrutura também apontados em outros itens desta conclusão; e não diminuição do número de crianças por educador.

Os técnicos destacam, ainda, a falta de efetividade da SME na resolução dos problemas registrados nos planos de ação dos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana analisados – sobretudo quanto às ações alheias a formação –, evidenciada pela repetição de diversos apontamentos da edição de 2018 em 2019 (alguns bastante antigos). Esse também é o diagnóstico de inúmeros diretores e professores dos CEIs sorteados, dado que manifestaram suas preocupações acerca do encaminhamento dos Indicadores de Qualidade.

Além disso, os materiais de pesquisa e de repertório étnico-racial e científico se mostraram escassos, sendo que 75% dos CEIs não contavam com objetos dessa natureza, contrariando previsão do currículo da cidade da educação infantil e disposição legal que tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena nas instituições de ensino.

A auditoria nas creches municipais foi levada a efeito pelo TCMSP tendo em vista que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece que cabe aos municípios oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas. Ao manifestar interesse em matricular seu bebê ou criança de zero a três anos na RME-SP, o munícipe “concorre” a uma vaga na unidade escolar mais próxima de sua residência, que pode tanto ser um CEI direto quanto um CEI parceiro. Em todos os documentos oficiais, a SME se refere à rede de educação infantil como uma única.

Havia na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, em dezembro de 2019, 344.502 bebês e crianças matriculados nas creches da cidade, de acordo com informações da Divisão de Informações Educacionais (DIE). Desse total, 289.181 foram atendidos na rede parceira e 55.321, na rede direta. Portanto, cerca de oito em cada dez bebês e crianças matriculados nas unidades educacionais da rede estão em CEIs parceiros.

Observa-se que nos últimos anos a expansão da rede municipal de educação infantil no município de São Paulo para a faixa etária de zero a três anos se deu, prioritariamente, por meio dos CEIs parceiros. De 2014 a 2019 houve um aumento de 50,4% de unidades da rede parceira, enquanto nos CEIs diretos foi observado um incremento de 0,6% no mesmo período. Essa tendência também fica evidente quando se observa a evolução de matrículas no mesmo período: nos CEIs parceiros o número de matrículas cresceu 71,9%, enquanto nos CEIs diretos houve um decréscimo de 0,9%.

Com o crescimento da rede parceira ao longo dos anos, tanto em número de matrículas quanto de unidades, e a decorrente elevação do risco de auditoria e controle da rede, impõe-se o dever dos órgãos de controle – interno e externo – de acompanhar ambos os modelos (direto e parceiro), a fim de verificar se há diferenças significativas entre eles. Esse monitoramento se mostra imprescindível, sobretudo porque, de um lado, não é facultada às famílias a escolha por determinada rede, e de outro, não é compatível com nosso ordenamento a oferta à população de serviço público de mesma espécie com discrepância de qualidade entre os modelos adotados.

Assim, foram aplicados diversos pontos de verificação durante a auditoria, com base em critérios objetivos e com vistas a identificar eventuais diferenças entre os modelos coexistentes no município que impactem na qualidade do serviço oferecido a bebês e crianças, não obstante a limitação imposta pela pandemia.

Após ser notificada pelo conselheiro relator Maurício Faria em relação aos apontamentos efetuados pelos auditores no relatório, a SME encaminhou ao TCMSP esclarecimentos a respeito dos apontamentos.

Clique aqui para acessar a íntegra da manifestação da SME.

Clique aqui para a íntegra do relatório da SFC.