Mulheres debatem desigualdades na política, no trabalho e na luta por moradia em palestra online Notícias

09/03/2021 13:00

Dentro da programação comemorativa ao Dia Internacional da Mulher, a Escola Superior de Gestão e Contas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) promoveu, na manhã do dia 8/03, um debate sobre as desigualdades enfrentadas por elas na garantia de maior representatividade política e na equidade de direitos no ambiente de trabalho e nos movimentos sociais por moradia.
 

Participaram do encontro a antropóloga e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Carmela Zigoni, a pesquisadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Giselle dos Anjos Santos, a coordenadora do movimento de moradia “Povo em Ação”, Edna Pereira Matos, e a idealizadora do projeto social “Delas para elas”, Beth Aduque.
 

Para tratar das desigualdades de gênero no âmbito político, Carmela Zigoni, que é doutora em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Gênero e Sexualidade pela Universidade de Amsterdã, apresentou dados de pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que acompanhou o orçamento municipal, a candidatura de mulheres no pleito de 2020 e a violência política sofrida por elas após as eleições.
 

Organização não governamental com foco em direitos humanos, o Inesc atua nas agendas de transparência orçamentária, reforma do sistema político e equidade da raça e gênero, participando de iniciativas importantes como o Fórum Permanente de Igualdade Racial – FOPIR e o Global Forum for Fiscal Transparency – GIFT.
 

A palestrante destacou que, em 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos executou apenas 60% dos recursos da pasta. No tocante às mulheres, de R$ 117,4 milhões empenhados, apenas 30% foi executado. “Na nossa avaliação, o desempenho do ministério, que é justamente quem tem a missão de proteção e promoção dos direitos das mulheres, foi ruim, considerando a excepcionalidade de um ano de pandemia, em que todas as regras fiscais ficaram suspensas e foram flexibilizadas as diretrizes de contratos e licitações para que o Estado gastasse mais e mais rápido, para atuar de forma emergencial”, avaliou ela.
 

Carmela Zigoni também ressaltou que dentro da gestão da crise sanitária as mulheres tiveram seus direitos violados, principalmente as negras, indígenas e quilombolas, em um ano em que os casos de feminicídio aumentaram 22% no país. “No primeiro semestre de 2020 matou-se 648 mulheres, considerando ainda as subnotificações. Nessa perspectiva, até o final do ano 1200 assassinatos de mulheres devem ter ocorrido”, informou a especialista.
 

A pesquisa do Inesc traçou, ainda, um perfil das candidaturas de mulheres desde 2014. No âmbito das eleições municipais, de 2014 para 2016 as candidaturas femininas cresceram de 31,9% para 33,2%. Houve, também, um aumento discreto de 2,3% de mulheres eleitas no primeiro turno, com relação ao primeiro turno de 2016. A partir do último pleito realizado, em 659 municípios as prefeituras serão chefiadas por mulheres.
 

A antropóloga finalizou sua participação apresentando a plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político, cujos dados subsidiaram a campanha “Quero me ver no poder”, que provoca reflexões na sociedade sobre maior representatividade das mulheres, dando voz, entre outros perfis, a quilombolas, indígenas, mulheres trans e de matriz africana. “Nossa política é marcada tanto pela exclusão das mulheres, quanto por ataques públicos a elas”, disse Zigone.
 

Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com mestrado em Estudos de Gênero e Teoria Feminista e doutoranda em História Social na Universidade de São Paulo (USP), Giselle dos Anjos Santos também trouxe indicadores importantes para o debate, desta vez a partir de pesquisas sobre o mercado de trabalho.
 

“As desigualdades de raça e gênero desempenham um papel estrutural na nossa sociedade, fazem parte da nossa construção histórica e foram muito reforçadas com a pandemia. A pesquisa realizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) revelou que a crise sanitária provocou um retrocesso de uma década na participação das mulheres na força de trabalho na América Latina, caindo para 46% em 2020, após ter atingido 52% no ano anterior. De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil não retrocedeu uma década na questão do desemprego, mas duas”, enfatizou a palestrante.
 

A pesquisadora também revelou que com a perda de 11 milhões de postos de ocupação em um semestre, o grupo mais prejudicado foi o das mulheres negras, com o setor de serviços duramente afetado pela quarentena. Destacou, ainda, que com a crise sanitária o emprego doméstico foi o mais impactado, deixando 7,1 milhões sem carteira de trabalho assinada. “Esse dado revela o aumento da precarização das condições de trabalho para um grupo que já era bastante vulnerável e sem acesso a direitos mínimos e básicos garantidos em outras categorias profissionais”, avaliou ela.
 

De acordo com a especialista, a crise sanitária trouxe, também, a crise do cuidado. “Ficou mais evidente a exploração do trabalho não remunerado das mulheres, com a sobrecarga de atividades domésticas e cuidado com crianças, impactando diretamente a participação feminina no mercado de trabalho Como consequência, tivemos desemprego, crescimento da informalidade e da precarização das relações trabalhistas, além da diminuição da saúde física e mental das mulheres”, finalizou.
 

Giselle dos Anjos Santos é autora do livro “Somos todas rainhas” e coautora de "Mujeres afrodescendientes en América Latina y el Caribe: Deudas de igualdad".
 

Sobre a questão da luta das mulheres em prol de moradia, Edna Pereira Matos, graduada em Ciências da Computação pela (PUC-SP) e pós-graduada em Gestão de Políticas Públicas pela USP, falou sobre o trabalho do movimento “Povo em ação”, iniciado no bairro do Grajaú, em São Paulo, com a primeira favela urbanizada da cidade, até os dias hoje, contabilizando seis mil moradias conquistadas.

 

“As referências que utilizamos para sustentar nosso direito à moradia estão na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura além desse pleito, o direito à vida e à erradicação da pobreza, e na Constituição Federal de 1988 em seu preâmbulo, com a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais e do acesso a políticas públicas”, esclareceu a coordenadora do “Povo em Ação”.
 

Dentro da busca por moradia digna, ela revela que a desistência da luta é maior entre os homens. “As mulheres quando desistiam retomavam depois à pauta. Vinham, inclusive, participar do trabalho de construção dessas moradias e muitas vezes eram seus companheiros que assinavam os contratos dos imóveis pela questão de comprovação de renda. Nesse sentido, o programa Minha casa minha vida avançou muito quando permitiu a titularidade dos imóveis em nome das mulheres”, revelou a palestrante.
 

Idealizadora do projeto social “Delas para elas”, que acolhe, por meio da dança e de rodas de conversa, mulheres em condições de vulnerabilidade, Beth Aduque deu seu relato sobre violência doméstica. “Como a maioria das mulheres negras periféricas casei muito jovem e engravidei. Com meu companheiro sofri todo tipo de violência física e mental possíveis até que o auge dessa crueldade foi um estupro. Saí desse casamento com duas filhas e muitos traumas. A verdade é que a mulher da periferia não tem acesso a atendimento psicológico e é levada a acreditar que esse tipo de assistência é só para os ricos”, contou emocionada.
 

A partir da reflexão da necessidade do apoio psicológico e acolhimento a mulheres em condições de vulnerabilidade resolveu dar vida ao projeto. “É um trabalho de formiguinha em um espaço de periferia onde costumávamos ser esquecidas. Levamos força psicológica e informação para mulheres que são sempre cuidadoras de pais, amigos e filhos. Se divido uma dor com outras mulheres ela é fracionada e nós todas nos fortalecemos. A partir do projeto muitas mulheres voltaram a trabalhar, estudar e ganhar posicionamento de autoestima diante de relacionamentos abusivos”, enfatizou Beth Aduque.
 

A mediação do debate ficou a cargo da chefe de gabinete da Presidência do TCMSP, Angélica Fernandes, que é jornalista e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC. “A desigualdade de gênero é um fator que limita o desenvolvimento econômico do país. Não são os movimentos femininos que dizem que o desempenho econômico do Brasil é ruim porque as mulheres estão fora do espaço de poder, mas o Fórum Econômico de Davos. Precisamos sair da posição de intrusas no mundo público”, avaliou.