Amir Khair discute a economia e as finanças públicas da cidade de São Paulo diante da pandemia no programa Encontros Plurais Notícias

29/04/2020 18:00

A situação econômica de estados e municípios em tempos de pandemia é colocada em xeque, visto que a prioridade é proteger os cidadãos das consequências nocivas que o novo Coronavírus tem produzido na população. Assim, medidas de distanciamento social provocam efeitos na arrecadação da cidade, com a paralisação da atividade econômica, e cresce a taxa de desemprego, que aponta para um cenário de instabilidade sem precedentes. Diante disso, como é possível pensar na retomada econômica e fiscal da cidade de São Paulo, que é um dos principais polos do setor financeiro? Para responder essa e outras perguntas o jornalista Florestan Fernandes Jr., o diretor-presidente da Escola de Gestão e Contas (EGC) do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), Maurício/XixoPiragino, e o economista Marcos Barreto convidaram o especialista em finanças públicas e ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, Amir Khair, para participar da edição virtual do programa Encontros Plurais, nessa quarta-feira (29/04).

"Se você rompe o isolamento antes do tempo, que é o que está acontecendo, a gente vê a adesão aqui abaixo de 50% durante a semana, corre-se o risco, nessa circunstância, de uma contaminação em velocidade muito maior, e a retomada, que poderia ser uma retomada segundo o que está acontecendo [em outros países], passa a ser muito mais grave. Portanto, se essa situação passa a ser percebida com alguma demora, a quantidade de gente infectada é muito maior e a retomada do ponto de vista econômico torna-se muito mais séria, muito mais difícil e isso afeta a arrecadação do Brasil inteiro, aqui em São Paulo inclusive, e com isso vai exigir medidas muito mais radicais do ponto de vista fiscal também", examinou o professor, refletindo a dificuldade que ainda existe para se pensar sobre a saída do isolamento e a retomada das atividades que movimentam as finanças da cidade de São Paulo.

Essa nuvem de incerteza levantada pelo especialista gerou um questionamento muito importante: a perda orçamentária que, segundo Amir Khair, terá uma intensidade também de acordo com a adesão à taxa de isolamento. "Se você tiver um isolamento malfeito, vamos ter uma queda na arrecadação muito maior. Agora, se houver uma conscientização bem maior do que está ocorrendo, aí sim a perda é menor. É difícil dar um número sobre isso, é um chute muito grande, pois pode variar muito, dependendo, inclusive, da gravidade da situação. Mas acredito que menor do que 10% não será. Eu acho que a perda de arrecadação nessas circunstâncias vai ser acima de 10%", previu.

Quando questionado pelo economista Marcos Barreto sobre as medidas que adotaria para preservar a atividade econômica, Khair disse ver como única possibilidade o cumprimento máximo das obrigações. "Mas como? Com que recursos? Esse é o desafio que eu vejo sendo muito pouco discutido [...] Tenho defendido que os recursos têm que ser suficientes para bancar essa etapa de economia praticamente no chão. Tem que ser como emissão de moeda, mas poucos economistas estão tocando nessa questão. [...] Então eu acho que temos que discutir isso porque se a bola estiver com o ministro da economia e a equipe dele, nós [estados e municípios] não vamos equacionar isso não."

Como questão principal, Amir Khair apontou a incerteza sobre a proteção aos mais carentes, vulneráveis e excluídos. "Além de as pessoas estarem se infectando e morrendo, você tem o drama da população que mora nas comunidades, do pessoal que mora nas ruas, das pessoas pobres, no geral, e que o Sistema Único de Saúde [SUS], embora seja um excelente sistema de proteção à saúde, não estava preparado para isso. Aliás, no mundo todo ninguém estava preparado. Aí foi uma espécie de leilão para obter os equipamentos necessários de proteção individual, foi aquela corrida toda para a China, e a China no começo protegeu a sua população para depois vir a atender a todas essas demandas do mundo inteiro, porque é dito que 90% [dos equipamentos] só seria abastecido pela China. Quando você coloca nessa situação de voltar o trabalho, as empresas que não querem fechar estão forçando seus trabalhadores a voltar, e os trabalhadores ficam com um duplo problema: primeiro com o medo terrível da morte, porque estão vendo isso propagar, e, segundo, com um medo tremendo de perder o emprego. [...] A gente tem que ter uma inversão rápida dessa situação e R$ 600,00, embora seja muito importante para esse povo mais simples, é insuficiente. Ninguém aguenta com R$ 600,00 por muito tempo, ainda mais se estiver desempregado. Esse valor teria que passar pelo menos para um salário mínimo e, além disso, ser ilimitado, tem que ser dosado de acordo com a evolução. Dinheiro tem! Esse negócio de dizer que não tem dinheiro é falso. O mundo todo, principalmente os Estados Unidos, o Japão e a Europa estão emitindo moeda, foi o que eles fizeram para escapar da crise de 2008", avaliou o ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo.

Fazendo uma avaliação do que está sendo gasto na Saúde para combater a pandemia, Khair afirmou que acha que "o Brasil vai ter que colocar a 'mão' em qualquer coisa próxima de 30% do Produto Interno Bruto (PIB), olhando hoje". Isso porque o quadro piora com uma saída precoce do isolamento, há uma perda muito grande na arrecadação. "Essa perda é tão maior quanto pior o comportamento de volta ao trabalho", disse o especialista.

O mestre em finanças públicas comentou durante o encontro em relação ao imposto sobre grandes fortunas e se não seria o momento de rever o teto dos gastos. "Eu acho que é absolutamente necessário segurar a despesa. A despesa tem que crescer no mínimo de acordo com o crescimento da demanda que é o crescimento da população, crescimento vegetativo, porque quando você segura a despesa, você segura a receita também, é o outro lado da moeda muito pouco considerado. [...] Agora eles tentaram, e fizeram de fato, a reforma da Previdência, o que agrava mais ainda a situação de recessão porque você está querendo fazer uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos, em média R$ 100 bilhões por ano, e são R$ 100 bilhões que retira poder aquisitivo da população mais pobre, a população de classe média, que iria se aposentar. Portanto, você dá um golpe atrás do outro", ressaltou.

Voltando ao assunto dos equipamentos médicos e produtos químicos vindos da China, Amir Khair foi questionado sobre a necessidade de uma indústria nacional para a área da saúde. "Uma boa parte dos equipamentos médicos podem ser produzidos aqui no Brasil, mas precisa ter uma política nessa direção, com estímulos. [...] O fato é que, enquanto não surge o problema, a discussão fica no plano teórico e não desce à prática, não vai movimentar políticas públicas nessa direção. Agora, com essa chacoalhada que veio com essa pandemia, não tem outra forma de operacionalizar as coisas que não seja a de um incentivo aos cuidados com a saúde", finalizou Khair.

O entrevistado respondeu ainda às perguntas dos internautas e participou de um bate-bola feito pelo diretor da Escola de Gestão e Contas, Xixo/Maurício Piragino.

Você pode conferir o bate-bola e o programa completo aqui: