A conferência internacional “Direitos Humanos e Violência Institucional na América Latina – Massacre de Iguala, México” foi realizada pela Escola de Gestão e Contas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), na segunda-feira (16/09), e contou com a presença de um dos sobreviventes do massacre, o ativista de Direitos Humanos Omar García Velásquez, entre outros convidados. O evento ocorreu cinco anos após o chamado Massacre de Iguala, no qual 43 estudantes foram executados por milícias, depois de o ônibus em que eles estavam ser sequestrado por policiais.
O diretor-presidente da Escola de Gestão e Contas do TCMSP, Maurício (Xixo) Piragino, realizou a abertura do evento. Junto dele, o presidente do Tribunal de Contas do Município, conselheiro João Antonio, afirmou que “as conquistas civilizatórias, ou seja, os direitos fundamentais estão em jogo nesta quadra histórica. Defendê-los é mais do que uma ação cidadã, é defender o Estado Democrático de Direito como instrumento de composição das diferenças".
Como ativista de Direitos Humanos mexicano, Omar Garcia Velásquez foi o principal conferencista do evento e contou um pouco de sua história, ressaltando que o seu é um caso que durou muito tempo, mas não é o único naquele país. “Atualmente temos cerca de 40 mil desaparecidos no México. Quando meus companheiros desapareceram, falávamos de 27 mil desaparecidos, esse número aumentou para 40 mil”, informou ele.
O ativista revelou que há cinco anos os estudantes se organizaram para um protesto que aconteceria num dia 12 de outubro, na Cidade de México. “O 12 de outubro é lembrado, porque há mais de 50 anos ocorreu um massacre na Cidade do México (o governo em 1968 assassinou muitos estudantes através do exército). Todos os anos os estudantes de diferentes universidades se organizavam para fazer o que chamamos de uma marcha comemorativa, para lembrar, pela memória e para exigir justiça, porque não foi feita justiça por esses assassinatos”, disse Omar. Então, em 26 de setembro de 2014, os estudantes estavam criando condições para atravessar a Cidade do México com ônibus até que policiais entregaram os estudantes a membros do cartel "Guerreros Unidos". Os jovens foram executados um a um.
Convidado para debater o assunto, o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Brasil, Paulo de Tarso Vannuchi, se dirigiu a Omar ao dizer que “sua visita nos ajuda a refletir sobre as questões, as encrencas brasileiras". Vannuchi contou sua experiência como membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e lembrou que "quando militante da sociedade civil, sou rédea solta para qualquer discurso, na instituição tenho que pesar correlação de forças, equilíbrio o tempo todo".
Também como debatedor, o advogado e ativista de Direitos Humanos, Saul de Carvalho Isaias, comentou o episódio fazendo uma comparação com a realidade brasileira e destacou que "a partir do momento que há violações de direitos humanos tenta-se imputar nas pessoas que foram vítimas um caráter de ligação com a criminalidade, como se esse fato fosse legitimar a violência do Estado".
Segundo o advogado, é preciso falar que no Brasil há uma perseguição aos jovens negros da periferia, assim como no México há aos povos tradicionais. “Então, quando a polícia age de maneira violenta, ela tem um alvo certo, tem um fenótipo de quem vai ser esse jovem assassinado, alvejado", ressaltou Isaias.
Como única mulher participante da mesa de palestra, a suplente do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Simone Henrique, questionou aonde existe espírito democrático e republicano nas ações cotidianas e fez um recorte lembrando o caso da chamada "vala clandestina de Perus".
"Uma sociedade realmente democrática, ou mais ainda, uma sociedade livre, justa e solidária, porque esse foi nosso pacto civilizatório na Constituição de 1988, demanda outras características, não só formais e substanciais". Ao fazer essa colocação, Simone disse que lamentava a situação, “pois realmente acreditava que as lutas, os diálogos e os embates na democracia seriam todos possíveis”. Agora, afirmou ela, “não tenho mais aquela certeza que tinha", concluiu.
Finalizando a sequência de debates, o psicanalista Paulo Cesar Endo fez uma análise da situação e disse aos presentes sobre o medo que o Estado tem dos mortos. "Os mortos nos inspiram a continuar falando deles e a continuar falando porque eles morreram. O segundo motivo é que os mortos falam naqueles que lembram dos mortos, que não esquecem deles, que continuam permanentemente insistindo que a morte dos mortos precisa ser contada e suas histórias respectivas também. Porque os mortos definem grupos inteiros de ativistas, pesquisadores, curadores. Porque os mortos, de algum modo, produzem enormes, grandes e milhares de memoriais no mundo inteiro. Porque os mortos produzem cultura", explicou ele.
O psicanalista Endo projetou o material de suas pesquisas, sendo que parte delas tem a ver com memória, memoriais, democracia e com alguns artistas que trabalharam com isso. Entre eles, a obra “Livro de Carne”, de Artur Barrio. Por fim, deixou a mensagem de que “a luta não é uma escolha de fato, ela é a única coisa que nos sobra", finalizou.
Assista, na íntegra, à palestra: