No último dia da programação da 10ª edição do Encontro Técnico de Educação Profissional dos Tribunais de Contas do Brasil (Educontas), realizado no auditório da Escola de Gestão e Contas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), os debates tiveram foco em tecnologia, controle social e educação na era digital. As apresentações de quarta-feira (28/08) do X Educontas contaram com a participação do professor associado da Universidade Federal do ABC (UFABC), Sérgio Amadeu; da jornalista Fernanda Costa, da startup política AppCívico; e do professor com mestrado e doutorado em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando de Almeida.
Amadeu fez uma abordagem sobre a questão da participação e do controle em relação ao Estado a partir da discussão da Inteligência Artificial (IA). "A tecnologia de Inteligência Artificial tem a capacidade de extrair insights mais profundos de conjuntos de dados do que outras técnicas", contou ele. “Na verdade, as tecnologias de IA que temos hoje se desenvolveram em uma parte daquilo que seria o comparável à inteligência humana. Principalmente na região que chamamos de aprendizado", completou Amadeu.
Como exemplos de IA, o palestrante colocou o reconhecimento da fala, a linguagem natural, o processamento, os chatbots ou a voz. "Para que os aplicativos de IA funcionem são necessários grandes conjuntos de dados (abertos) de alta qualidade", observou Sérgio Amadeu. Ele também é membro do Comitê Científico Deliberativo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).
Considerando que a Inteligência Artificial pode ampliar a participação e o controle democrático, Amadeu alertou para o fato de que ela deve usada de forma explicável, responsável e deve exercer a participação e controle democrático. "Claro que você tem que ter como pressuposto que a Inteligência Artificial no Estado, no meu modo de ver, precisa ter dados abertos para que ela possa funcionar, para saber com que dados estou trabalhando; e precisa também, adequadamente ter um volume de dados significativo, senão ela não vai funcionar bem. É preciso ter uma variedade de dados para poder encontrar os diferentes padrões. Mas tem uma terceira questão: é preciso que esses dados sejam verdadeiros, tenham qualidade", disse Amadeu.
Na contramão da transparência dos dados caminha opacidade das operações de aprendizado de máquina, “especialmente a de aprendizado profundo. Ou seja, você não tem transparência e não consegue fazer explicação", pontuou o professor, questionando como o Estado pode usar algo que não é transparente e defender transparência.
Para o membro do ABCiber, além da transparência é preciso ter auditabilidade, responsabilidade e justiça sobre os dados. "Quando você vai fazer uma solução é preciso considerar a capacidade de auditoria sobre ela; qual o nível de transparência que você quer; quem vai ser responsável por corrigir viés". A questão que ficou é: o que os Tribunais de Contas poderiam fazer? Amadeu defendeu o uso machine learning, com os dados que os Tribunais têm, para “criar um pequeno aplicativo em que as pessoas vão participar, colaborar e instalar em seus browsers e, a partir desse app, montar uma grade, que processa os elementos", explicou Amadeu.
Por fim, o professor ressaltou a possibilidade de usar “a Inteligência Artificial de modo justo, sem roubar as informações das pessoas, envolvendo-as na fiscalização com aprendizado de máquina", concluiu ele.
Falando em tecnologia, a jornalista Fernanda Costa, da startup política AppCívico, descreveu que o aplicativo é uma iniciativa brasileira que desenvolve tecnologias cívicas para organizações que buscam engajar e se conectar com seu público digitalmente. "A gente tem toda uma metodologia para entender quem é esse público, como ele vai funcionar, qual o campo semântico para falar sobre determinado assunto. Vamos sempre mapeando e tentando aprender com o uso para desenvolver tecnologias mais apropriadas”, disse ela.
Em sua intervenção, a jornalista deixou claro que a intenção do projeto é transformar organizações e cidadãos em especialistas para fazer política digital. "Queremos colocar o humano no centro da nossa tecnologia", concluiu.
Fernanda questionou a razão pela qual os portais de transparência não são acessados e os conjuntos de dados disponibilizados não são consultados. Como exemplo, levantou a disponibilidade da regionalização dos dados. “O que a gente não consegue é essa análise mais objetiva, falar 'foi mais investido aqui do que lá', é muito flexível porque às vezes os gastos são contingentes. Às vezes o investimento é maior em uma determinada região, não pela necessidade dela, mas pelo fluxo de demanda, de pessoas, ônibus, enfim, mas essas plataformas, como a "De olho nas metas" e algumas plataformas de índices da Prefeitura de São Paulo, você consegue regionalizar", informou Fernanda.
Sobre a questão dos dados, a jornalista lembrou que quando faziam algumas prestações de serviço para o governo, como no caso do "Voto legal", era exigido que o servidor fosse no Brasil. “A lei exigia isso. Por que para terceiros, para as empresas, startups brasileiras são feitas tantas exigências com relação a armazenamento de dados?", indagou.
Mesmo neste cenário, Fernanda incentivou uma posição dos tribunais de contas e destacou que é importante estimular boas práticas dentro disso. “Não vamos chegar a um consenso de boas práticas se não houver diálogo. [...] O que é mais barato? Vamos colocar tudo lá fora? Então todo mundo vai colocar tudo lá fora sem uma discussão prévia e, principalmente, considerar novos atores nesse debate? [...] Eu vejo que hoje o tribunal pode ter esse papel de propor novos atores para o debate. Com certeza vamos achar uma solução", finalizou. A mediação foi de Flávia Lacerda, do TCU.
Nesse último dia do Educontas no TCMSP, a palestra com temática voltada para a “Educação na Era Digital” coube ao professor Fernando de Almeida. O currículo do palestrante inclui cursos de mestrado e doutorado em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sendo que entre outras atividades ele é diretor da área de Educação da TV Cultura de São Paulo.
A edição deste ano do Educontas teve como tema escolhido “O que a sociedade brasileira espera dos Tribunais de Contas e o papel das Escolas de Gestão e Contas”. Ao discorrer sobre a “Educação na Era Digital” e usando sua experiência pedagógica, o professor Fernando de Almeida procurou definir o conceito de educação como forma de conhecimento aplicado nas suas diversas concepções. Ele também provocou a plateia ao questionar “o que a escola tem de fazer para que a tecnologia melhore?”, uma vez que a tecnologia é vista como ferramenta de uso obrigatório que serve para balizar obrigatoriamente o funcionamento das instituições.
Tomando como base suas pesquisas acadêmicas, que se desenvolveram principalmente na área da filosofia, estudando o uso das tecnologias da informação e comunicação para aprendizagem e as políticas públicas, o professor Fernando de Almeida fez questão de reafirmar que “não existe educação sem um projeto de nação”. Ele destacou ainda que “atualmente vivemos numa sociedade da informação, não do conhecimento, pois esse conceito é o de coisa construída, não apenas consultada”.
No momento em que explanava sobre a construção do conhecimento na escola, o palestrante aproveitou para criticar as empresas de informática que sugerem que as pessoas não necessitam mais guardar informações de memória, uma vez elas poderiam ser buscadas nas nuvens tecnológicas. De acordo com Fernando de Almeida, a identidade de cada um, e por extensão do país, é feita pelas diferenças sociais e pessoais.
Ao final de sua apresentação, o professor Fernando de Almeida foi bastante aplaudido e recebeu seu diploma de participação entregue pela mediadora da palestra, Hilária Barreto, do TC-CE.
Assista aos debates aqui: