TCMSP sedia seminário preparatório para Congresso Internacional do FIDA Notícias

16/07/2019 18:30

Na manhã dessa terça-feira (16/7), o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) sediou o seminário preparatório para a realização do Congresso Internacional do Fórum Ibero-Americano de Direito Administrativo (FIDA), que será realizado pela primeira vez no Brasil, de 9 a 11 de outubro, na Câmara Municipal de São Paulo.

Com o tema "Controle da Administração Pública: atividades e limites dos controladores", o seminário contou com a participação de expositores brasileiros e estrangeiros e prestou homenagem ao professor Romeu Felipe Bacellar Filho, presidente da Associação de Direito Público do Mercosul.

O presidente do TCMSP, João Antonio da Silva Filho, deu as boas-vindas aos participantes, destacando a importância do FIDA para aproximar a Academia da realidade da Administração Pública, contribuindo para o aprimoramento das instituições, que têm como atribuição fundamental viabilizar o papel  do Estado no desenvolvimento integral do ser humano e a garantia dos seus direitos fundamentais. Concluiu dizendo que a Academia e as instituições, com apoio do controle social, têm um papel fundamental na preservação de um Estado Democrático de Direito.

Na sequência, o presidente do FIDA, Jaime Rodríguez Arana-Muñoz, agradeceu  ao TCMSP pelo apoio ao evento, reforçando que o Fórum foi criado com o objetivo de contribuir para melhorar o regime jurídico dos países ibero-americanos e concretizar uma atuação estatal que esteja pautada pelas exigências de um Estado Social comprometido com a Justiça e com um Ordenamento Jurídico como instrumento de civilidade e de melhoria das condições de vida das pessoas.

 

Controle exercido pelos Tribunais de Contas

A abertura do primeiro painel ficou a cargo do Professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC-PR, Emerson Gabardo, que teve como recorte temático a competência e os limites da atuação dos Tribunais de Contas. Discorreu sobre a inexistência de restrição de competência dos Tribunais de Contas no texto constitucional e o uso da Teoria dos Poderes Implícitos, utilizada pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal, para complementar as regras do exercício de fiscalização, flexibilizando limites estabelecidos no direito positivo formal.

Apresentou casos concretos da aplicação da teoria no tocante às competências dos Tribunais de Contas e ressaltou o ambiente de insegurança jurídica que acarreta. Concluiu sua fala observando que os limites de atuação das Cortes de Contas devem ser estabelecidos por uma ordem jurídica formal, para garantia do Estado Democrático de Direito e não de um estado de exceção.

Na segunda palestra do painel, com o tema “Controlar as contas ou administrar? Limites ao exame da discricionariedade”, o Doutor e mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, Rafael Valim, destacou o grande desafio dos tribunais de Contas que está no limiar entre controlar e administrar, dentro da discricionariedade, que é a margem de apreciação subjetiva concedida aos administradores públicos, para agirem de acordo com o que julgam conveniente, dentro dos limites legais e em defesa da ordem pública.

“Os Tribunais de Contas exercem uma função administrativa de natureza controladora e tem como vocação a observância da conformidade dos atos da administração pública em termos de legalidade, legitimidade e economicidade com a ordem jurídica”, enfatizou Valim. Assinalou, também, a importância de se equiparar em termos jurídicos as decisões dos Tribunais de Contas com a da administração pública, que gozam da mesma legitimidade constitucional.

Encerrando o painel Controle exercido pelos Tribunais de Contas, o doutor em Direito Alejandro Pérez Hualde, professor titular de Direito Administrativo da Universidade Nacional de Cuyo, na Argentina, iniciou sua exposição ressaltando que em seu país não há, em âmbito federal, um órgão semelhante aos Tribunais de Contas existentes no Brasil. “Há uma Auditoria Geral da Nação, prevista na Constituição de 1994, que exerce um controle posterior, por meio de relatórios submetidos ao Poder Legislativo para que este aprove ou rejeite as contas do Poder Executivo e dos demais poderes do Estado”, afirmou.

No entanto, Alejandro destacou que a realidade institucional da Província de Mendoza, onde está situada a Universidade de Cuyo, é um pouco diferente. Ali, existe um Tribunal de Contas, cuja criação remete à Constituição de 1895, voltado para o controle das contas públicas, inclusive de empresas que utilizem recursos públicos. Os integrantes desse órgão são escolhidos pelo governador, com a aprovação do Senado, um procedimento semelhante ao de escolha de juízes. Tendo ainda como referência Mendoza, ele afirmou que a Constituição promulgada em 1916 naquela província já delineava um Estado comprometido com a igualdade material. “Um Estado interventor comprometido em distribuir desigualdades para obter resultados de igualdade material e igualdade de oportunidades”, assinalou.

Para Alejandro Hualde, esse tipo de Estado, que opera sobre a realidade no sentido de modificá-la, necessita de mais controles que tenham independência. Isso porque a política vista em quase todos os países atualmente apontam para a rejeição de qualquer tipo de controle, que é visto pelos governantes como uma limitação do poder. “O que se busca hoje é tolher a independência dos órgãos de controle, daí porque, na Constituição de Mendoza, o Tribunal de Contas foi colocado como um poder ao lado dos demais poderes. Ele está no Capítulo do Poder Judiciário, mas não faz parte deste Poder e exerce o controle de contas do Judiciário”, frisou.

Diante desse quadro, é necessário que os Tribunais de Contas tenham autonomia econômica, funcional e administrativa, não podendo submeter essas esferas a órgãos sobre os quais eles exerçam próprios exerçam o controle. “Tem que haver possibilidades de autonomia em sua organização e em suas decisões de gestão”, lembrou Alejandro, acrescentando que outra forma de manter essa independência é investir na profissionalização de quadros, para que os controladores tenham um nível de capacitação semelhante ou superior ao apresentado por órgãos e entidades a serem controladas.

Por fim, tratando da polêmica sobre se o controle deva ser exercido preventivamente ou repressivamente pelas Cortes de Contas, Alejandro Hualde destacou a importância da preocupação preventiva, mesmo porque há, segundo ele, uma tendência a convalidar algo que já foi feito. No entanto, destacou que em sua Província não se faz o controle preventivo, existindo outros instrumentos que podem exercer essa função. “Há o Procurador do Estado que pode verificar isso, e que também é controlado pelo Tribunal de Contas”, afirmou. Concordando que essa questão que contrapõe o controle preventivo ao repressivo é uma discussão em aberto, o professor da Universidade de Cuyo encerrou sua exposição citando a fala do jurista argentino Domingo Juan Sesin: “Necessitamos ser energicamente preventivos para não ser debilmente repressores”.

 

Controle jurisdicional nas democracias constitucionais: atores e limites

A abertura do segundo painel, que teve como tema Controle jurisdicional nas democracias constitucionais: atores e limites, foi feita pelo presidente do FIDA (Fórum Ibero-americano de Direito Administrativo, Jaime Rodríguez Arana-Muñoz, catedrático de Direito Administrativo da Universidade de La Coruña. Ele começou sua exposição, que tratou da “Função do Poder Judiciário nas Democracias Contemporâneas”,  parafraseando o pensador alemão Jürgen Habermas para quem a história da civilização está vivenciando tempos críticos, inadmissíveis, nos quais tudo parece possível. “As instituições sociais, a realidade social, os conceitos jurídico-políticos e até mesmo a democracia têm limites. O limite é uma característica essencial da realidade”, alertou, acrescentando: “Hoje, vemos legisladores querendo ser executivos, executivos querendo ser legisladores, magistrados que desejam ser políticos, políticos que pretendem ser juízes”. Para Jaime Arana-Muñoz, é necessário que as coisas retomem seus lugares de origem.

Na opinião do presidente do FIDA, em meio a um momento de crise como o atual, no qual há os que pregam transformações e aqueles que defendem o imobilismo, é preciso buscar coordenadas nas Ciências Sociais e na Ciência do Direito, que são as coordenadas do pensamento aberto, plural, dinâmico e complementar. Nessa perspectiva é possível também entender melhor o papel real do juiz e do Poder Judiciário no mundo atual. “É preciso um pensamento aberto para se afastar dos preconceitos e estereótipos que embasam a visão da realidade”, observou. A busca do pensamento plural para enfrentar um mundo que muitas vezes prefere os pensamentos único, bipolar ou ideológico, desconsiderando que felizmente não há um único caminho a ser seguido, mas vários.

Dando sequência ao seu raciocínio, Jaime Arana-Muñoz afirma a necessidade do pensamento dinâmico porque as categorias jurídicas estão em permanente transformação. “No entanto, essas transformações não estão afastadas do interesse público. Pelo contrário, o interesse público está no DNA do Direito Administrativo, o interesse público concreto”, ressaltou. Para ele, o juiz tem que trabalhar com o ordenamento jurídico no seu conjunto, e os princípios estão permanentemente focados na realização da Justiça, entendida como a perpétua e constante vontade de dar a cada um o que é seu.

Por fim, é preciso cultivar o pensamento complementar, que atua em um marco de pensamento de integração no entendimento de que o interesse geral está necessariamente vinculado à defesa e proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais da pessoa.

Na sequência coube à professora Eleonora Nacif, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, advogada criminal e presidenta do IBCCRIM, abordar o tema referente à Advocacia, destacando a importância entre a ciência do Direito e outros conhecimentos humanos. Para ela, “é fundamental também analisar o Direito como instrumento de poder e de transformação social, sendo que o controle social informal pode ser mais eficaz do que a letra fria de uma lei, dizendo o que eu devo ou não fazer”.

Como especialista em Direito Penal, a professora Eleonora Nacif afirmou que na área criminal toda prisão é um ato político, assim como a criminalização de alguém também é política. Segundo ela, essa ideia que a própria mídia nacional dissemina, de que os brasileiros é um povo malandro, que quer tirar vantagem em tudo, é boa para os legisladores de viés conservador, que entendem que precisamos da mão forte do Estado para efetuar o controle social.

“Desde os anos 90, no Brasil tem havido um recrudescimento legislativo penal intenso, que se configura como verdadeira inflação legislativa penal, a partir da criação de diversos tipos penais, tais como a lei dos crimes hediondos; os crimes contra a ordem tributária; os que cuidam das organizações criminosas; crimes ambientais, entre outros. Enfim, desde 1990, a regra é o endurecimento penal, dentro da política penal, no sentido de tentar corrigir a conduta dos cidadãos. Em função disso, a população do sistema carcerário brasileiro praticamente foi multiplicada oito vezes e essa política de segurança pública nada resolveu”.

Ao enfocar o controle jurisdicional nas democracias constitucionais, a professora mencionou o chamado Pacote Anticrime, projeto de lei 882/2019, proposto pelo atual governo federal, tecendo inúmeras críticas à medida, por conter diversos dispositivos inconstitucionalidades, como o cumprimento integral da pena em regime fechado, que veda a progressão do regime penal. “Não é a toa que tal projeto é também conhecido como Embrulho Anticrime, no sentido de ser uma cilada, de que é uma mentira, um embuste e uma tentativa de enganar a população. Nele, a gente percebe que existe uma mensagem política muito clara que está por traz dessa proposta legislativa, que é a mensagem de oprimir ainda mais aquela população vulnerável, que sempre esteve à margem da sociedade, que é preferencial do sistema penitenciário, como é o caso da população pobre, periférica e preta. Dessa forma, esse pacote significa uma ameaça ao próprio conceito de democracia”, destacou Eleonora Nacif.

Prosseguindo nas críticas ao projeto Anticrime, a professora afirmou que o próprio conceito de defesa, representado pela Advocacia, é ameaçado ao prever o monitoramento eletrônico, a gravação, a interceptação das conversas entre advogado e cliente em presídios federais, violando o sigilo profissional. “É inadmissível que um momento como esse, de profunda intimidade e confiança, seja monitorado eletronicamente; isso é querer acabar com o direito de defesa”, sentenciou a presidenta do IBCCRIM, acrescentando, por fim, que queria comentar que não existe um plano de segurança pública no Brasil, a não ser o de prender.

A última palestra do dia, dentro do painel “Controle jurisdicional nas democracias constitucionais”, coube à procuradora Regional da República e presidenta da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Augusta Gonzaga, falar sobre o Ministério Público (MP) como ator desse controle, abordando os limites da instituição a que pertence. Segundo ela, estava numa posição delicada, por ter de se apresentar “depois de tantas falas excelentes” e principalmente nos dias atuais sobre falar em Ministério Público perante advogados e estudiosos do Direito.

Inicialmente, a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga fez uma introdução abordando as origens históricas das garantias e prerrogativas do MP e o desenvolvimento das carreiras jurídicas no país. As atribuições e os instrumentos de sua atuação estão previstos no artigo 129 da Constituição Federal de 1988. O órgão possui autonomia na estrutura do Estado, não pertencendo a qualquer dos três Poderes. Ao MP cabe defender os direitos sociais e individuais indisponíveis dos cidadãos perante a estrutura do Poder Judiciário e também fiscalizar o cumprimento das leis. Além disso, o Ministério Público atua como guardião da democracia, assegurando o respeito aos princípios e normas que garantem a participação popular.

Para a procuradora, a falta de uso de freios e contrapesos por parte instituição tem gerado o voluntarismo registrado por parte de alguns integrantes do MP, conforme a mídia tem divulgado recentemente. Ela aproveitou a ocasião para criticar indiretamente o que chamou de mercado milionário de palestras, em que alguns membros do Ministério Público cobram para a realização de conferências e palestras. “É inimaginável alguém me convidar para dar uma palestra sobre desaparecido político e eu cobrar, pois simplesmente esse é meu tema e objeto de trabalho. Eu me perguntava se a Corregedoria não vai dizer que não pode cobrar por palestra, se você está trabalhando com esse assunto”, disse, acrescentando que a única forma que um integrante do MP tem de ganhar algum dinheiro extra na profissão seria por meio do magistério e que ela nem sempre considera correta essa prática adotada por novos integrantes da carreira.

Finalizando, Eugênia disse que seu pedido era no sentido de que a classe jurídica atual, que está desmoronando desse jeito, sai desse quadro é voltar a defender os princípios constitucionais de 1988, pois quem sabe a nova geração que está vindo seja bem melhor do que estamos vendo por aí. Obrigada.

O presidente do TCMSP, conselheiro João Antonio, fez o encerramento oficial do seminário, agradecendo todos os palestrantes, em especial os debatedores estrangeiros, que deram verdadeira aula de Direito Administrativo e constitucional. Ele garantiu que o Tribunal de Contas do Município de São Paulo, além de defender a supremacia do interesse público, deve seguir o preceito constitucional de fazer com que o dinheiro do povo chegue para aqueles que mais precisam dos serviços do Estado, que são os moradores da periferia da cidade.

O Fórum Ibero-Americano de Direito Administrativo (FIDA) é entidade fundada em 2002, que se transformou em um núcleo regional de juristas ibero-americanos especializados em Direito Administrativo e interessados em trocar conhecimentos e experiências relativas a essa matéria. Seu XVIII encontro será realizado em 7 e 8 de outubro, no TCMSP. Já o Congresso Internacional de Direito Administrativo, que acontecerá entre os dias 9 e 11 de outubro na Câmara Municipal de São Paulo, terá como tema “Estado Democrático de Direito: A Defesa dos Direitos Fundamentais em Tempos de Crise”.

Clique aqui para assistir ao Seminário na íntegra.